sexta-feira, 22 de agosto de 2008

AS MARCAS DO FANTÁSTICO NA LITERATURA DE PEPETELA

Rosangela Manhas Mantolvani (USP/CAPES)

As marcas do sobrenatural e, principalmente, do animismo das culturas africanas encontram-se presentes na literatura de Pepetela desde os seus primeiros escritos, mesmo naqueles textos em que predominam as marcas da escrita que Benjamin Abdala Jr. (1987) nomeou neo-realista. Assim, as marcas do fantástico como modo se encontram sob diferentes nuances nos romances Mayombe (1980) e A geração da utopia (1992), propiciadas por uma escrita em que a memória das tradições são plasmadas na criação de imagens inscritas nos textos.
Essas imagens permitem ao leitor o momento da incerteza que pode ou não ser remetido às formas do imaginário de diferentes culturas, ou seja, permite singulares leituras. Assim, em Mayombe, destacamos as imagens da personagem Leli, que surgem nos momentos em que o comandante Sem Medo se encontra face a face com o perigo; e as de Mussole, o espectro da amada do ex-comandante Aníbal, metaforizada na escrita como a continuidade da utopia no encontro com os valores da tradição, em A geração da utopia.
Essas personagens femininas são figuras que não possuem voz, construídas como imagens que se fazem presentes nas mentes de dois dos heróis das narrativas: Sem Medo, de Mayombe, e Aníbal, de A geração da utopia. Por estarem no plano metafísico, foram consideradas como "espectros".
Algumas sociedades tradicionais de Angola têm por crença que os espíritos dos que partiram habitam os espaços selvagens e, especialmente, as árvores. Por isso, a obra pepeteliana que, em muitos aspectos de seu percurso trabalha com a recuperação das tradições das culturas angolanas, mostra personagens que poderíamos classificar como fantásticas.
O sobrenatural surge nas obras estudadas sob duas formas: em Mayombe, por meio dos sonhos de Sem Medo, em que as imagens oníricas recriam o espírito acusador e sofrido de Leli; e na obra A Geração da Utopia, pela configuração da figura de Mussole, que habita os delírios de Mundial, os sonhos e lembranças do Sábio e, finalmente, passa a habitar uma mangueira cultivada exclusivamente para lhe servir de abrigo, plantada por Aníbal na praia da Caotinha.

1. Léli, o sonho diurno de Sem Medo
Léli, a personagem fantasma, aparece pela primeira vez na narrativa pela voz do narrador, em focalização interna de Sem Medo, no capítulo "A Missão", quando ocorre a emboscada que os revolucionários do MPLA organizam contra :

(...) na espera, as recordações tristes da meninice misturavam-se à saudade dos amigos mortos em combate e mesmo (ou sobretudo) ao rosto de Leli. Sem Medo notou que tinham passado mais de seis meses sem pensar em Leli. Desde o último combate. Ao irem atacar o Posto de Miconje, a imagem de Leli viera confundir-se com a chuva (...) Fora aí, na cegueira da floresta e da chuva, que Leli viera, se impusera de novo. A angústia perseguiu-o até dar a ordem de fogo. O grito de fogo saíra-lhe como uma libertação (...) O grito ferido de Sem Medo afugentara a imagem de Leli.
Mais uma vez Leli voltava e se impunha. Os olhos de Leli acusavam-no de mil crimes, vingativos e meigos; havia tal abandono e solidão nos olhos dela que Sem Medo quis gritar, afastando o fantasma. (...) Leli suplicava e acusava, muda, as palavras eram inúteis, ele conhecia-as, não as esquecera. Foi essa a tua vingança, reconquistares-me para me abandonares ao saber que eu estava de novo presa a ti. O teu orgulho, tudo pelo teu orgulho, um orgulho sem limites, que tudo sacrifica. (PEPETELA, 1982, p.51-52)

O discurso do narrador é invadido pelo discurso direto de Sem Medo, que é invadido, por sua vez, pelas palavras de Leli, que percutem incessantemente em sua memória, trazendo-lhe de volta um tempo que parecia ser passado.
No momento em que o herói se encontra no limiar (BAKTHIN, 1981 (b), p. 54), o fantasma do passado vem fazer-lhe companhia. Sem Medo lembra-se da existência de Leli, dos momentos felizes, e, simultaneamente, traça uma figura da personagem:

Ela corria na praia branca. Os coqueiros inclinavam-se para a cumprimentar. Nua, resplandecente à luz da Lua, o corpo castanho perlado de gotas de água que refletiam o brilho da Lua. Ela corria pela praia branca ao seu encontro. Abraçavam-se, nus, à sombra confidente dos coqueiros e deixavam-se cair na areia. (PEPETELA, 1982, p.52)

Suspensa na narrativa, a imagem poética de Leli desaparece e, somente no capítulo "Ondina", a história de Leli seria contada por Sem Medo a João, o Comissário Político, por ocasião do episódio do caso de Ondina com André. Sem Medo conhecera Leli em 1960; ela era mestiça e viveram juntos sem se casarem, pois o pai desejava que a filha se casasse com um branco. Um dia, Leli disse que amava outro e foi embora de casa, face à inexperiência de Sem Medo, na época. As cenas de Leli pareciam cenas de ciúme a Sem Medo. Um dia, Léli saiu de casa e Sem Medo decidiu que deveria reconquistá-la. Induzida por Sem Medo a uma experiência negativa com o novo parceiro, Leli fora uma vítima da vingança e do orgulho de Sem Medo que a reconquistou apenas para sentir o prazer de desprezá-la posteriormente. Leli é vítima do amor-próprio de Sem Medo, que acostumado à nova vida que impôs a si mesmo, sentiu-se incapaz de ser-lhe fiel. Livre da imensa paixão que nutria por Leli, separou-se dela. Quando o 4 de fevereiro explodiu, Leli estava à procura de Sem Medo e foi apanhada pela UPA e assassinada. Esse assassinato remete à lembrança de Deolinda Rodrigues1, sobrinha de Agostinho Neto, também aprisionada e assassinada pela UPA, em 1968, em revanche contra o MPLA.
Involuntariamente causador da morte de Leli, Sem Medo sente que algo se quebrou com a morte da mulher que tanto amou, mesmo tendo constatado que não a amava mais nos últimos meses de convivência. Algo se perdeu e o herói não pode explicar. Então, ressuscita o fantasma de Leli toda vez que se encontra no limiar, à hora do combate, próximo da morte.
A proximidade do herói com Ondina, permite que a figura de Leli se apresente com mais freqüência nos pensamentos de Sem Medo, e muitas vezes, em fusão de imagens com o rosto da protagonista:

Mas Ondina vinha no sonho, oferecendo-se nua a ele e dizendo: "Amo o João". Sem Medo acordava, fumava e voltava a adormecer. Ondina corria agora sobre a savana de Huíla, os cabelos eram longos e negros, os cabelos de Leli, os braços estendidos para ele. Mas ele estava cem metros abaixo, no fundo do precipício, e Ondina-Leli atirava-se no vazio para cair nos seus braços. Noite interminável. (PEPETELA, 1982, p.247-248).

À medida que o perigo de morte se aproxima, mais freqüentes de fazem as aparições de Leli na narrativa. A figura de Ondina traz de volta a imagem de Leli do passado de Sem Medo. No decorrer da narrativa, porém, a imagem de Leli é substituída pela de Ondina nos delírios de Sem Medo: "Leli ficara nas trevas, só Ondina aparecia. (...)" (PEPETELA, 1982, p.261) Na batalha final, é Ondina quem surge nas lembranças de Sem Medo.

A figura de Leli funciona como motivação à luta de Sem Medo. Sua perda e seu cruel assassinato o obrigam a ressuscitá-la em cada batalha, em cada enfrentamento, como maneira de recuperá-la, de homenageá-la, embora tardiamente, oferecendo-lhe sua vitória contra as forças da opressão. Bode expiatório da facção contrária ao MPLA, a figura de Leli presta-se a denunciar os crimes da UPA, funcionando, ainda, como uma censura ao movimento que se diz libertário, mas que teria sido capaz de assassinar mulheres, mestiços, brancos e trabalhadores civis do sul do território: uma crítica ácida que tem na figura de Leli sua inspiração maior.
A incerteza sobre a figura construída na narrativa, configurada no modo fantástico, é, gradualmente esclarecida ao longo da narrativa, revelando sua construção como produto da confusão emocional do comandante Sem Medo, configurando-se no modo mimético, indicado por Rosemary Jackson, quando rejeita a proposta de “gênero estranho”, de Todorov. Diz ela:

Para ver o fantástico como uma forma literária, precisa-se fazer distinção em termos literários, e o misterioso [ou estranho] não é um destes – não o é como categoria literária -, enquanto o maravilhoso é [um gênero]. Talvez seja mais útil definir o fantástico como um modo literário antes do que como gênero e colocá-lo entre os modos opositivos do maravilhoso e do mimético.2 [T.M.] (JACKSON, 2001, p. 32) [grifo meu]

2. Mussole, o espírito das chanas do Leste
Espécie de espírito inspirador de ações, Mussole, de A Geração da Utopia, surge no episódio "A Chana", que se passa nas matas do Moxico, quando Vitor, o Mundial, guerrilheiro do MPLA, procura atravessá-la em direção a Zâmbia, mas desvia-se do caminho, permanecendo muitos dias perdido e delirante em plena floresta. É por meio da voz de Aníbal, o Sábio, comandante do MPLA, que Mussole será delineada. Voz essa que lateja no pensamento de Mundial, em plena mata ou na anhara.

Dois anos antes, o Sábio contara-lhe: Assisti a uma xinjanguila interessante, no Kembo, (...) o segredo da dança está na interação entre o coletivo e o individual (...) Eu estava entre Maria e Mussole (...) Maria terá uns dezassete ou dezoito anos, Mussole talvez pouco mais nova. (...) Mussole (...) é o tumulto profundo que se deixa adivinhar nas águas paradas, é a vida borbulhante na chana. Os braços em cruz sobre o peito, a cabeça inclinada para a direita, as ancas rebolando ligeiramente, profundamente. Tudo nela se passa no interior, é como se gozasse seu próprio corpo. (...) O certo é que integrou meu corpo ao seu prazer, os passos mudaram, no curto instante em que para mim vinha os olhos de mbambi. (...) (PEPETELA, 2000, p.150-151) (grifo nosso)

Mussole é a mulher que o envolveu de forma mágica e sensual, é caracterizada por "olhos de mbambi e corpo de adolescente desabrochando". Aníbal apaixonou-se por ela, depois que fizeram amor. Esses fatos, por dedução na intra-narrativa, teriam ocorrido em 1970.
A imagem de Mussole, traçada pelo Sábio, replica na memória de Vítor e agora a personagem surge diretamente em suas reminiscências, por meio da voz do narrador em discurso indireto que estende uma analepse: "o Sábio contava as coisas com tal sentimento e colorido que ele via Mussole, o seu corpo flexível dançando para ele, o corpo despedaçado sangrando para ele, os olhos do Sábio sobre ela reclinado derramando lágrimas dele. (...)" (PEPETELA, 2000, p.164)

Tomado de súbita inconsciência e tremores provocados pela fome, o frio e o cansaço, Vitor, delira e procura assumir a posição do Sábio: "(...) fora ele que amara Mussole, fora ele que se extasiara com suas carícias, fora ele que com ela morrera naquele dia de Abril do ano passado em que as chanas cantavam de florzinhas coloridas e os rios se penteavam de grandes folhas redondas". (PEPETELA, 2000, p.164-165)

O Sábio retornou ao kimbo de Mussole, no Kembo "no dia 14 de abril de 1971" (PEPETELA, 2000, p.304) (dia da morte de Mussole e do Herói), que as reminiscências de Vítor trazem ao presente da narrativa:
(...) retornou (...) interrompendo os quinze dias do terceiro encontro para pagar o alembamento aos pais de Mussole e encontrou o kimbo fumegante, queimado e no meio do capim encontrou o corpo esquartejado de Mussole. Aníbal cavou a sepultura de Mussole e jurou lutar até ser abatido...(
PEPETELA, 2000, p. 165)

A confusão mental em que se encontra Mundial, permite a reprodução descontínua e fragmentária da trama narrativa e da história de Mussole. A voz do Sábio ecoa em sua memória, enquanto ele responde a essa voz do momento presente, como se houvesse vivido com Mussole os momentos passados, que haviam sido compartilhados apenas entre a jovem e o Sábio.
Nessa aparição, Mussole pode ser explicada, assim como no caso de Léli, como uma figura fantástica, provocada pela alucinação de Mundial, de tal maneira que se “resolveria” a hesitação fantástica por meio de uma explicação realista, ou seja, produto dos delírios de Vítor.
Ela é definida por meio de alguns vocábulos: "aproximadamente quinze anos, ela é um capim pela sua flexibilidade, é o tumulto profundo que se deixa adivinhar nas águas paradas, é a vida borbulhante na chana.(...)". É, ainda, "terna, gazela mais ligeira que o livongue, antílope de olhos macios mais que o mel escorrendo dos lábios, princesa de ternura escondida". (PEPETELA, 2000, p.150) Construída como técnica para poetizar a trama (TACCA, 1983, p. 121), ela se transformaria em força motivadora que levou o herói, Aníbal, a lutar até a sua suposta morte.
Após o reaparecimento de Aníbal, Mussole habita a praia da Caota, onde o herói ocupa uma casa, no local solitário, no episódio "O polvo". Habitante da mangueira que possui seu nome, Mussole comunica-se com Aníbal por meio do xuaxualhar das folhas da árvore. Demonstra alegria quando Sara e Aníbal se amam.
Nesse caso, prevale o modo fantático, que não se resolve no final da narrativa, quando o animismo africano prevalece sobre os valores da realidade, fazendo com que o leitor ocidental perceba que o sobrenatural encontra-se ali. Mas a personagem Aníbal e também o narrador não tem nenhuma dúvida sobre o “fenômeno Mussole”, o que remete o texto a uma “realidade maravilhosa”, ou “realismo animista”, como prefere Pepetela, e ao gênero do “realismo maravilhoso”.
Figura muda, como uma espécie de pintura que se desloca, Mussole é a personagem delineada, ainda, para relembrar as vítimas da fúria do colonizador em face à guerrilha. A figura terna e delicada da jovem violada e destroçada simboliza o mito de fragilidade vitimada; e funciona como um dos elementos motivadores que mobilizaram os homens a lutarem contra os colonizadores, justificando as ações e o grau de violência que, se necessário, se aplicava, como forma de resgate por ações como as praticadas contra todas as "Mussoles", e consideradas covardes, como seu assassinato.
Mítica e fantástica, Mussole não morre. É a companhia e o amor idealizado do herói, seu complemento espiritual. Enquanto Sara o traz de volta à realidade material, Mussole o inspira à busca de paz e isolamento. Desprovida de voz, resgata a figura da mulher angolana durante a guerra, sujeita às violências sexuais, morais e físicas por parte do inimigo e, ainda, promove na narrativa a relação do herói com o misticismo das sociedades angolanas, seu traço telúrico.
Construída, também, para que a trama apresentasse um tom poético e como motivo de denúncia das injustiças e violências cometidas contra o herói, sua figura presta-se a invadir os delírios de Mundial e os sonhos do Sábio, repousando nos últimos episódios na mangueira do quintal, ao lado de Aníbal: "No entanto, ele sabia, haveria de regar a mangueira, acariciar o tronco e falar com ela, cada vez mais velho e fraco, mais descrente também, na esperança de despertar o espírito das chanas do Leste que nela vivia, dormitando." (PEPETELA, 2000, p.304)

A metáfora do "espírito das chanas do Leste" encontra-se relacionada ao espírito de luta no espaço geográfico compreendido pelas anharas do Moxico, na Frente Leste de combate. Segundo Francisca Maria dos Santos (2001, p.47) "(...) Eram tão freqüentes os combates nas chanas da Frente Leste que os primeiros contatos após o 25 de abril entre forças do MPLA e as tropas portuguesas foram no Lunhaneji, em plena Frente Leste." Assim, a metáfora do espírito das chanas, relacionado ao espírito dos ideais de lutas, vitórias, enfrentamentos, projetando utopias, encontrar-se-ia dormitando ao final da narrativa, assim como o espírito de Mussole, que necessita ser "regado", acariciado, para que não morra, mas sobreviva, embora adormecido.
Se o herói Sem Medo sente um profundo sentimento de culpa com relação a Leli, Aníbal, ao contrário, é capaz de cultivar um sentimento positivo em relação a Mussole por toda eternidade. Essa diferença encontra-se ligada à configuração de Sem Medo, que é um comandante marxista e ateu e à de Aníbal, que é um ex-comandante marxista, porém com os pés calcados no misticismo da cultura religiosa angolana. A imagem de Leli é, portanto, resultado de imagens mentais, enquanto a de Mussole tem consistência metafísica, e produz "efeitos ou ações", como o "xuaxualhar" das folhas da mangueira.
Essas figuras traduzem o preço da revolução, a sandice das oposições, os conflitos internos gerados pela busca da liberdade que só os sobreviventes experimentaram.
Figuras de um passado tão presente, cujas conseqüências abriram feridas profundas na vida de muitos, as figuras de Leli e Mussole guardam, ainda, o traço místico que impregna as tradições religiosas dos povos angolanos. Suas "energias" não se dissiparam após a morte, antes acompanharam os heróis em cada batalha vencida, em cada grito pela liberdade. Tanto que Sem Medo sucumbe quando a figura de Leli que sempre o acompanhou nos momentos anteriores aos ataques, é substituída pela de Ondina.
Belas, sensuais e misturadas às paisagens que as circundam, configuradas com muita poeticidade, as figuras de Mussole e Leli enfeitam as narrativas, produzindo na escrita um colorido especial e um toque de magia, quando um plano paralelo, etéreo, se entrelaça com o plano material, influenciando não apenas os pensamentos dos heróis, mas suas atitudes, seus anseios, seus desejos, seus amores.

1 Deolinda Rodrigues Francisco de Almeida, irmã de Jofre Rocha e sobrinha de Agostinho Neto, nascida em 1942, no Catete/Icolo-e-Bengo, cursou Estudos superiores no Brasil e Estados Unidos, militante do MPLA, poetisa, foi a Fundadora da OMA - Organização da Mulher Africana -, presa pela UPA/FNLA e assassinada por esse movimento em 1968, no Zaire.
2Jackson, 2001, p. 32

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Manuel Pedro Pacavira

Pacavira: precursor do novo romance histórico angolano


NZINGA MBANDI, DE PACAVIRA: NOVO ROMANCE HISTÓRICO ANGOLANO


Rosangela Manhas Mantolvani1


RESUMO: O romance Nzinga Mbandi, de Manuel Pedro Pacavira foi publicado em 1975 e pode ser considerado o precursor do novo romance histórico angolano, pois possui em seu discurso alguns dos elementos germinais do gênero e o fator essencial: o embate entre os valores das sociedades tradicionais e os da sociedade mercantilista, de acordo com as teorias de Lukács sobre o romance histórico.


PALAVRAS-CHAVE: Pacavira; Romance Histórico; Literatura Angolana; Novo Romance Histórico.


ABSTRACT: The novel Nzinga Mbandi, by Manuel Pedro Pacavira it was published in 1975 and can be considered the precursor of the new angolan historical novel, therefore it possess in its speech some of the germinal elements of the sort and the essential factor: the shock between the values of traditional societies and the values of the mercantilist society, in accordance with the theorie of Lukács on the historical novel.


KEYWORDS: Pacavira; Historical novel; Angolan Literature; New Historical Novel.


1.O autor


Manuel Pedro Pacavira nasceu em 14 de outubro de 1939, na Fazenda Lá Luínha, no Golungo Alto. Filho de um alfaiate com uma lavadeira. Entrou para a Escola Primária aos 8 anos de idade e aos 14 fez a quarta classe sem reprovação. Em 1954 passou a ensinar na mesma escola onde estudara, devido à falta de professores; e, no ano seguinte fez um requerimento ao Governador Geral, pedindo autorização para freqüentar o Magistério Primário Católico “Teófilo Duarte”, na Cuíma, mas foi retido em Luanda pelas irmãs e primas que não quiseram deixá-lo seguir.
Matriculou-se no primeiro ano da Casa das Beiras, mas a mensalidade de 270$00 representava muito dinheiro para o pai e, no ano seguinte não consegue comparecer ao colégio. Retoma os estudos, mas falta aos exames. Passa então a trabalhar como auxiliar de contas na mercearia Agre & Ferreira e volta a freqüentar o curso no período noturno.
Em 1958 perde o emprego, mas freqüenta o teceiro ano do liceu graças à autorização da Diretora que lhe perdoa o pagamento de 350$00 de mensalidade.
Sua preocupação com os problemas do território angolano e a admiração com a evolução do nacionalismo lhe valeu ser chamado 'comunista' por um dos sócios da empresa no momento em que o colocava porta afora. Na época, procura entender o significado da filosofia Pan-Africana, da Revolução Cubana e a vida dos negros norte-americanos.
Tendo recebido um voto de confiança de Agostinho Neto em 1960, deslocou-se em maio para Brazzaville, no Congo, onde funcionava a base do MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola - e quando regressou em junho a Luanda foi preso, assim como Neto, sendo, no ano seguinte deportado para a Colônia Penal do Bié, no centro do país, e, posteriormente, transferido para o Campo de Concentração do Missombo, em Menongue, ao sul de Angola.
Em 1966 foi requisitado pela PIDE – a polícia política de Salazar – e acusado de atividades que abalavam os princípios de “recuperação psicossocial” no Campo de Concentração, sendo ele um “mau exemplo” para outros prisioneiros, mas consegue a liberdade em março de 1967, sendo preso novamente em setembro do mesmo ano. Em fins de julho do ano seguinte é deportado para Cabo Verde – Campo de Concentração de Tarrafal. Apesar de jamais ter sido julgado, foi libertado somente após o 25 de abril português.
Mesmo não tendo comparecido à Conferência Inter-Regional do MPLA em 1974, foi eleito membro do Comitê Central e, no ano seguinte foi escolhido para o cargo de Director do Departamento Nacional de Organização de Massas do Comitê Central do MPLA.
Em 1976 passou a Diretor dos Portos e Caminhos-de-Ferro de Angola e, no ano seguinte, ocupou o cargo de Ministro dos Transportes; em 1978, foi nomeado para o Ministério da Agricultura.
Entre suas principais publicações encontram-se Gentes do Mato, de 1974, pela África Editora, texto concluído na prisão quatro anos antes da publicação. Escreveu outros romances, um conto e apontamentos sobre as regras de ortografia do kimbundu. O romance Nzinga Mbandi foi publicado pela primeira vez em 1975 pela Atualidade Editora, em Luanda e a tiragem foi de três mil exemplares.


2. Nzinga Mbandi: novo romance histórico


Nzinga Mbandi conta a história da famosa rainha da Matamba que, no século XVII, assume o trono do avô Ngola Kiluanje, e não mede esforços para expulsar os portugueses instalados no entreposto comercial de Nossa Senhora de Assunção de Luanda – nome de Luanda na época - , quando estes intentam invadir seus territórios, chegando mesmo a tramar pactos com os holandeses na tentativa de expulsá-los e, apesar de obter êxitos em momentos diversos, mais tarde, já idosa, termina por estabelecer certos acordos que, certamente, seriam contrários à sua índole.
O romance se divide em três partes: na primeira encontra-se a chegada dos portugueses ao reino do Kongo e sua expulsão; na segunda a trajetória dos portugueses pelo Reino de Angola, mas principalmente a trajetória da filha de Ngola Ndambi [Nzinga] pelo espaço geográfico do território, conhecendo muitos povos e terras. No capítulo onze da segunda parte o narrador trata da transferência de D. Paulo Dias de Novais para as terras de Kakulu Kahangu, após ter recebido um ultimatum do Muene-Ngola para sair do Songa, quando então os portugueses impõem o terror nas redondezas. E Muene-Ngola sai em sua perseguição, juntamente com o Ngol'a Mata e um filho de Ngola Ndambi: o rei-soldado Ngola Kiluanji.
E assim a guerra se estende, pois chegam reforços de Portugal, mas as febres e os ataques dos locais reduzem os milhares de portugueses a apenas uma centena e meia. Embora quase destruídos, não desistem de chegar a Kambambi, onde se encontram as minas de prata e, mesmo pedindo socorro ao reino do Kongo, são quase dizimados. Em junho de 1585 estabelecem um castelo entre o rio Lucala e o Kuanza, cercado de rochedos, e formam a Companhia dos Empacasseiros, integrada por muitos negros e, continuam a atacar aldeias e sobados com o objetivo de chegar às minas de Kambambi. Às vésperas de Natal, em dezembro, um ataque surpresa de Ngola Kiluanji destrói um grupo de oitocentos empacasseiros e, em maio de 1589, morre D. Paulo Dias, por dedução no intradiscurso do narrador.
Aos guerreiros de Ngola Kiluanji juntam-se os Jagas, que eram povos que não possuíam um Império centralizado, mas seu território era constituído por muitos sobados e kimbos com administração relativamente independentes.
A articulação do discurso passa pelo crivo da memória, posto que no capítulo um da primeira parte, o narrador se refere aos processos de composição literária que se encontram no romance, referindo-se às formas de tratamento dispensadas à protagonista por figuras tão ilustres quanto El-Rei D. João IV, “chamavam-lhe Rainha Dona Anna, Rayña Singa [...], Ginga [...] mas o nome dela verdadeiro é esse mesmo que vem na capa: Nzinga Mbandi.”(PACAVIRA, 1975, p. 17). E, ainda, o narrador não se furta a ocultar suas “deduções” sobre a personalidade histórica:


Não devia ser mulher de se dar lá a essas fitas de puxar a cara, amarrar a testa, alçar os peitos, pôr o rabo a pino, e coisas outras dessas. Factos há que nos levam a pensar que ela cresceu bela, carinha bonita, alegre, simpática, sendo o seu defeito: virar bicha-fera-ferida, caso que lhe violassem um direito. Tanto é que uma formidável história ela nos deixou, uma história que mete respeito, o motivo que me traz a conversar aqui com vocês. Mas comecemos pelos tempos dos seus passados. (PACAVIRA, 1975, p. 17)


Nesse trecho, o narrador estabelece com o co-enunciador um diálogo, pois vai “conversar” com seu leitor, de tal maneira que o convida a mergulhar no passado. Essa, no entanto, constitui uma função conativa da linguagem a qual necessita que o leitor estabeleça um pacto com o narrador, ou seja, um acordo de que vai penetrar em um tempo muito distante daquele em que se encontra. E, assim, no capítulo um, o narrador entrevê em um português quase oral o encontro suspeitoso entre os portugueses – e as gentes de Angola à boca do rio Nzandi, em que as falas dos portugueses exaltam a boa-fé e a questão da religião. Já nessa passagem, o excesso de reverência parece falsear o conteúdo do que é de fato enunciado:


Que são muito boas pessoas, não vieram por mal, a ninguém querem fazer mal, antes pelo contrário. [...] Teriam já os da terra Dele ouvido falar? Jesus Cristo, seu nome. Filho de um Virgem. Teria já a estas terras chegado o seu eco?...


A fala de apresentação dos portugueses, com as mãos ao alto, parece repleta de ironia, se observarmos os significados ocultos em “antes pelo contrário”, que pode indicar tanto “a ninguém querem” equivalendo ao contrário de ninguém: “a alguém” ou “a todos”. De forma sutil, encontram-se no texto de Pacavira efeitos irônicos e cômicos encerrados no próprio código lingüístico e no discurso. E é o narrador quem responde pelos “da terra”:


Mas os da terra querem é saber de onde é que eles vêm, de que raça, de que nação, com uns ares de amalucados que aparentam, os cabelos parece que passaram no fogo, a cor da pele, tudo, tudo, um albino, filho-sereia. Com um falar que ninguém entende, ainda por cima. (PACAVIRA, 1975, p. 19-20)


A imaginação criativa do autor em torno do encontro insólito entre culturas de valores tão diferentes, cujas promessas de amizade e boa-fé tão enaltecidas num primeiro momento podem ser lidas como algo muito curioso, se considerado o momento de produção do romance: a década de 70, as perseguições da PIDE, e as sucessivas prisões do autor: encontro que recorda certos exertos em alguns novos romances históricos hispano-americanos – no momento em que muitos países latino-americanos encontram-se sob ditaduras de direita – sobre os primeiros contatos entre os ameríndios e Cristóvão Colombo.


3. Uma fábula que percorre cerca de quatro séculos


O romance se inicia a partir da aparição dos primeiros grupos portugueses não em Luanda, onde se instalariam, mas à entrada do Rio Nzaide. Seguindo para Mbanza-Kongo, os portugueses visitam o Muene-Kongo, e este teria sido o ano de 1482 e, ao partirem, os portugueses levaram com eles fidalgos do rei do Kongo, inclusive um filho do próprio rei.
Então, o capítulo Dois já se inicia com o ano em que os portugueses retornam ao território de Muene-Soyo, no rio Nzaidi, no ano de 1491, ao levarem para o Kongo muitos presentes ao rei, capitaneados por Rui de Sousa e comandados por Gonçalo de Sousa, que falece a caminho. Na oportunidade, o narrador trata de relembrar o batismo católico de toda Corte do Kongo, inclusive do rei e a mudança dos nomes em língua kikongo para a portuguesa – Nzinga Nkuvu para D. João. O narrador faz questão de, a partir desse momento, revelar a divisão de classes no interior do próprio reino do Kongo:


Mas nem todos assim se vestem – de finos panos, corpetes, manteletes, peles de onça ou de gato-bravo, carapuças nas cabeças, chicotes de gala ao ombro. Há os pobres, sem posses para isso. Pobres, pobres, são as suas vestes, Que nada mais têm de comum com as outros que o facto de serem da mesma matéria e mesma indústria. Panos de tecido de palama, produto dos teares da terra. À maneira estrangeira já se veste o Muene-Kongo. Assim também a Rainha, mais as moças com ela. E outros mais chegados a Mbanza. (PACAVIRA, 1975, p. 24)


O encontro das duas culturas e o exercício de influência de uma sobre outra, bem como a diferenciação entre os "pobres" e a elite que passa a imitar os modos e valores dos estrangeiros, demarca uma distância ainda maior que se instalaria entre os fidalgos em relação aos seus súditos.
A propagação da fé católica é discutida no capítulo três, bem como a influência que exerceram os padres na divulgação da doutrina cristã e sua ideologia, assim como as regras jurídicas, das quais não escapava nem mesmo o rei. E tudo parecia muito calmo, até que os nativos perceberam que havia roubos, coisa que jamais acontecera. Não apenas objetos, alimentos e valores, mas principalmente, pessoas desaparecem freqüentemente e o povo se revolta.
No romance, há exertos em português arcaico de cartas que o rei D. Manuel I, chamado ironicamente Muene-Putu, interessado também em fazer com que o Rei de Angola se "ffaça christão, asy a jente de sua terra, como he el rey do Comguo", o que na verdade parecia esconder uma outra verdade, que o narrador não revela, mas encontra-se implícita, um trabalho de desvelamento ideológico, ao enunciar o intradiscurso da carta do Rei de Portugal:


"Somos enformados que no dito regno d'Amgola à prata, porque se vy o per hunas manyllas que vyeram a nos del rey de Comguo: Trabalharês por saber parte domde he a dita prata, e asy de quaesquer outros metaes"2 (PACAVIRA, 1975, p. 32)


Dessa maneira, estavam lançados os germes divisionistas no interior das próprias comunidades tradicionais, considerando-se o fato de que as populações que pagavam tributos ao Império do Kongo, mas não eram kikongos, passaram a discordar da forma como as elites conduziam o reino. E o narrador trata de revelar as dissidências e causas das lutas que se disseminariam pelo território a partir da interferência dos portugueses e sua influência sobre a cultura do Kongo:


Uma corrente ouvia muito os estrangeiros que a dada altura começaram a procurar maneiras para tudo modificar no Kongo, suas instituições, títulos nobilitários, usos, costumes, nomes e até a maneira de pensar de cada pessoa. A outra se esforçava por desviar a mente de Nzinga Nkuvu de tudo que fosse estranho à terra. (PACAVIRA, 1975, p. 33)


Em uma facção, encontrava-se o filho-segundo de Muene-Kongo, Mpanzu e Nzinga, e os que se opunham à influência estrangeira; com o filho-primeiro: Mbemba a Nzinga, que se cercou de padres. Mas o filho segundo é quem triunfa, enquanto o mais velho foi afastado da Mbanza para as terras do Muene-Nsundi, e ali aclamado El-Rei D. Afonso I do Congo (o povo lhe chamava Afunzu).
Ao reclamar em carta direta ao rei D. Manuel I de Portugal, Mbemba a Nzinga atrai sobre si a ira dos padres, acusados de levarem "vidas escandolas de avareza e luxúria". (Idem, p. 34) O narrador detalha todos os jogos da Igreja com o objetivo de fazer permanecer no trono o representante que melhor lhe conviesse. E finalmente Mpudi a Nzinga, o último rei de uma série de subidas e destronamentos, termina por expulsar os jesuítas, enquanto o narrador se esmera em ironias, citando uma possível escrita dos padres: "Que melhor lhes era irem tentar o evangelho no Regno D'Angola. Um dia podia ser a subordinação do Regno do Conguo ao d'Angola pelo enfraquecimento daquele".
Os filhos da puta! (Idem, p. 35)


Em maio de 1560, a chegada de D. Paulo Dias de Novais3 – a serviço da rainha D. Catheryna de Portugal – em Kakulu, procurando trazer a "Civilização" e a religião aos kimbundus, é tratada com ironia pelo narrador que procura parafrasear entre português e kimbundo os questionamentos do rei de Angola, Ngola Ndambi, a respeito de tal civilização onde vivia a tal rainha:


[...] E a gente dessa Senhora Nda Katidina dia Mutudi4 como vivia? Como eram suas casas? Trabalhavam? Tinham lavras? E indústria? E afunantes? Ou passavam o dia todo na boa vida, sem fazer nada? Somente a comer, a beber, a dançar, e a falar desse Deus Senhor Jesus-Não-Sei-que, e a rondar as terras alheias dos outros? Assim como as pessoas de Kimbundu, assim também eram suas pessoas dela Nda Katidina dia Mutudi? Eram?...[...] (Idem, p. 49)


Paulo de Novais fica detido na Mbanza por seis anos, enquanto o Padre Gouvêa – agora Nganga Ngovêa –, que o acompanhava, termina por integrar-se à comunidade e se africaniza, "tinha virado mumbundu", mantendo, no entanto, a sua fé cristã. O narrador não se furta a tratar do diálogo religioso entre Nganga Ngovêa e Nganga Ndal'a Kabenda, o mais-velho dos mais-velhos de Kakulu, um "doutor das leis que os antigos nos deixaram", que fala ao padre sobre seu deus, Nzambi, criador de todas as coisas e adorado no Ndongo. Também fala sobre a morte e da inexistência do Inferno para os kimbundus. E do mau espírito: Mbungula. E não escapam novamente à ironia os portugueses, chamados ndele, significando não o "pássaro branco", mas "uma alma danada que vagueia pelo mundo inteiro, sem lugar de estar, sem terra, sem nada. Um espírito mau atormentado por males [...] E vive agora a atormentar as pessoas, lhes perseguindo, lhes sacrificando de todas as maneiras." (Idem, p. 57)


Nesse capítulo, como em outros que se seguem da segunda parte do romance, os valores das tradições das comunidades angolanas são sempre colocados em contraste com os valores dos brancos ao longo do intradiscurso do narrador, enquanto alguns discursos de certas personagens organizam um universo particular em kimbundo, impenetrável ao leitor que não domina a língua.
A ironia e o humor não se afastam das cenas em que se discute o código lingüístico e seu caráter de "desencontro" de não-interpretação, pois, segundo Dominique Mangueneau (.....), sempre que há uma incompreensão excessiva no processo de interpretação, o efeito cômico, geralmente, encontra-se garantido. Em Pacavira, isso ocorre algumas vezes, como nessa passagem e em outras em que discutem sobre os significantes, a exemplo do significado de "cometa":


Nganga Ndal'a Kabenda diz:
- Ah... Tetemba dia mukila. Estrela-de-rabo.
- E na língua do Nganga Ngovêa? Cometa
- Di' hi?
- Cometa.
- Ah! ... Dicometa.
- Não é "dicometa", não. Dizei: Co-me-ta. Dizei comigo, experimentemos:
- Co...
- Co
- Me
- Me
- Ta
- Ta
- Ajuntai...
- Dicometa. (PACAVIRA, 1975, p. 57-8)


A resistência do código, cuja estrutura gramatical parece impenetrável à estrutura do branco concretiza na escrita a resistência que se seguiria na prática mesma, por meio da religião, de certas formas de viver e pensar e, ainda, pelas armas.
No capítulo quarto da segunda parte, a narrativa estabelece uma ruptura temporal de quinze anos, e trata dos acontecimentos de 1575, anunciando as intensas guerras no território do Kongo, motivadas pela ideologia do mercantilismo, o que fez com que D. Sebastião autorizasse o Cardeal D. Henrique, senhor-mor da Inquisição em Portugal, a enviar uma esquadra para combater os rebeldes do Kongo e restituir o trono ao rei cristão, d. Álvaro I, "tributário e vassalo do rei de Portugal". Mas uma analepse remonta o texto a 1570, ou seja, cinco anos antes desses acontecimentos, para contar o que se passou em Angola nesse momento histórico, tendo em vista que o narrador faz questão de demarcar os espaços geográficos entre o reino do Kongo e o reino d'Angola.
Do capítulo quatro ao sete, o narrador remete o leitor ao momento do encontro entre o enviado do Rei de Angola à Ilha de Luanda, onde se encontra D. Paulo Dias de Novais, e o momento em que explode a guerra, tratando da mudança do fidalgo português para a barra do Kwanza, o que vem a trazer preocupação ao Ngola Mata, filho de Ngola Ndambi, já falecido. Das fortificações da Mbanza à construção de quilombos e ninhos de espionagem, o narrador trata de mostrar o crescimento da pequena "quilumba", a filha de Ngola Ndambi: "Sinuosa, cara alegre, voz molhada e quente. Fazia guerra com seus três quatro cinco seis anos para vir a Mulemba com o avô [...]". Assim apresenta o narrador a infância de Nzinga Mbandi.
As movimentação dos portugueses em direção a Mpungu a Ndongo e o prenúncio de guerra – após o incêndio de Kambambi pelos portugueses – coloca muitas povoações em movimento para auxiliarem o rei de Angola:


E manhã clara: movimento enorme de povoações que se deslocam. Homens e velhos e mulheres e crianças e coxos e manetas, servos e não-servos, mal-ajeitados e bem vestidos [...] Os motivos desse movimento todo? Sanzalas a se despovoares assim?... Sanzalas e segues e sambas de sobas pelo que se vê?... Os motivos?...
O mindele! A-tu-lu!...
Os brancos! (PACAVIRA, 1975, p. 79)


No romance, Pacavira desvela a luta entre as culturas, entre as nações, ou seja, a história do homem como resultante da luta de classes, grupos, nações, desvelando que o sistema econômico e social e suas tecnologias de domínio são os responsáveis pelas condições materiais de vida dos povos, sejam eles dominantes ou dominados. Ao revelar as causas que levarão às guerras contra os portugueses no território angolano, o narrador explicita que nenhuma violência é gratuita, porque há sempre um episódio que pode justificá-la.
De Kukala havia partido a comitiva de Nga Ngeng'a Muhondo, o Tandala do Reino de Angola, acompanhado da própria filha do Ngola, percorrendo as terras de Entre rios, no Mahungu, seguindo pelas terras de Ndembu Kitexi, ou Jagas, entre os rios Ndanji e Lufuni, chegando até o Lufuni, onde viviam os Lugangos, espécies de banqueiros ou cambistas africanos, pois teciam uns paninhos de mabela, os lumbongos, um tipo de moeda africana. Chegam às freguesias do Lufuni, onde se fala kimbundu e kikongo. Depois de atravessar o Ndanji, atravessam a Kilunda e, depois, a Hong'a Zanga até pararem nas terras de Kakulu Kahangu que, entre comemorações, deixa claro aos visitantes de Nzinga que não aceita os estrangeiros - portugueses.
Dirigindo-se à Kisama, fica ali até novembro – kamoxi – e partem para o Kuanza acima em direção a Mapungu a Ndongo, local em que nasceu Ngola Ndambi e seus filhos. Nessa ocasião, o narrador trata de descrever as cenas de comércio à beira rio, para onde afluem as populações de várias comunidades locais para comercializar com alguns portugueses que vivem por ali. Os costumes e os cantos em kimbundo à roda do mussualo encontram-se presentes nesse romance que se constitui a partir de uma mescla de gêneros orais e textuais. "Ngadiuana, ngadiuan'â / Ngadiuana, ngadiuan'â uá!... [...] (Idem, p. 99-102)
Na construção da heroína, o narrador faz sua personagem percorrer grande parte do território angolano, estabelecendo o princípio da viagem e outorgando a ela a experiência e conhecimento tanto geográfico quanto social do território e da diversidade que mais tarde viria a governar, ou seja, esse é o momento em que a protagonista se expõe à experiência e ao conhecimento.
No capítulo onze iniciam-se os preparativos para a guerra contra os portugueses que não se cansam de pilhar e destruir os que não lhe podem oferecer resistência, despovoando muitas comunidades tradicionais. A descrição das desgraças a que se encontram submetidos os kimbos desvelam o que significou a colonização em Angola, tendo em vista que o assentamento de fortalezas e castelos, bem como a cidade de Massanganu não visava tão-somente ao tráfico de pessoas para os engenhos do Brasil, mas a exploração e apropriação das minas de metais preciosos.
O capítulo Doze trata da transição do Governo a D. Francisco de Almeida, indicado já por Felipe I da Espanha, pois Portugal encontra-se sob o domínio espanhol, período político chamado de União Ibérica, mas o soba Kafuxi não dá trégua aos portugueses e outro Governador, Jerônimo de Almeida, desiste da empreitada naquele momento. A sucessão de Governadores não tem fim.
O falecimento de Ngola Kiluanji permite que o filho assuma seu lugar, mas muda-se para Mbaka, onde é atacado pelos portugueses e, acuado, retira-se para o Kuanza adentro, em Kindonga. Por essa época, os portugueses já haviam se instalado completamente em Luanda. Aliados a Samb'a Tumba – líder local caricaturizarizado pelo narrador – é indicado para substituir o filho de Kiluanji e os portugueses contam com essa ajuda para conseguir explorar as terras do interior, mas o povo não o aceita como Ngola. Assume então o trono a neta de Ngola Ndambi, filha de Ngola Kiluanji Kia Samba, Ngola Nzinga Mbandi. Sobre a protagonista já adulta, diz o narrador:


Alegre, jovial, no vigor da vida, sem cabelos brancos, sem nada. E sem nada que lhe dobre. [...] Nos seus quarenta anos – com vinte e tal anos de andar para trás e para diante. De andar aonde só os filhos-de-pássaros dantes podiam passar. E dormir aonde só podiam os bichos dormir [...] (Idem, p. 118)


Indo a Luuanda encontrar-se com o governador português João Correa de Souza (isso teria ocorrido em 1621), retorna da cidade com o nome de Ana de Sousa, dado em batismo católico, o que provocou um descrédito por parte dos súditos da rainha. Mas a rainha volta e nomeia muitos sobas para controlar o território que lhe cabe. E, um mês depois, manda recado ao sr. Bento Banha Cardoso, em que diz:


" [...] o nome Ana de Sousa que o outro quis oferecer não pegou. Não podia pegar. O mesmo sucede com as minhas irmãs, a Kambo não quer o nome de Bárbara, a Fuxi manda dizer que seu nome é mesmo Fuxi. Que ide aplicando o nome de Engrácia às vossas filhas que is parindo, vós outros [...]" (Idem, p. 128-9)


E, no conteúdo da Carta a certeza de que Ngola Nzinga lhes fará a guerra, pois "armas não nos faltarão, e povos haverá neste mundo capaz de acudir a um apelo nosso, para vos correr com ferro e fogo" (Idem, p. 129). No capítulo quinze, Nzinga se desloca para a Matamba. Dois anos e meses depois de deixar a Kindonga, Nzinga sai com seu séquito até as terras da Lunda, onde entra em contato com o rei daquele território, Sa-Yiala Maku. Nessa ocasião, o narrador toma os significantes dos falares da Lunda, ao tratar Nzinga como Mwana Ngana Na-Chiluachi cha Zinga e nessa ocasião são contadas as desavenças do reino da Lunda e a traição de um de seus membros que vivia em outras terras, aliado aos portugueses.
O narrador não se furta a retratar o heroísmo da protagonista quando, no capítulo Dezesseis da segunda parte, ao serem os kimbundos liderados por Nzing'a Mona no Alto Kuangu, tendo este sido atingido, é a própria rainha quem lidera o contra-ataque:


[...] Mas é a própria Ngola que vai lhes ficar à frente do combate. Aí ela vem a descer as quebras de arco e lanças na mão, sem os panos já, apenas de jihondo, com uns corpetes também em franjas de fibras de imbondeiro e lhe vestir os peitos. Entesa o arco, larga... lá vai a sua lança de mistura com a quantidade de lanças a cair sobre os contrários parecendo chuva de pedras. (Id. Ibid., p.147)


Apesar do heroísmo da protagonista, nessa ocasião são raptadas suas irmãs: a Fuxi e a Kambo; e ainda, uma tia da rainha pelos portugueses, motivo pelos quais as guerras se intensificam, pois aumenta a ira de Nzinga Mbandi contra os estrangeiros.
A exploração comercial e a rapinagem por parte dos portugueses no território angolano não têm limites, chegando mesmo a cogitar a idéia de cunharem uma moeda própria em substituição aos lumbongos locais, apoderando-se também do sistema monetário de trocas, enquanto o povo se queixa constantemente. As condições materiais de existência dos povos funciona como fio discursivo no texto de Pacavira e, embora compreendendo os valores da cultura angolana, procura enfatizar as questões econômicas, políticas e ideológicas. Por isso, as condições de trabalho impostas a alguns locais que aceitavam servir aos invasores ou eram por eles cooptados não escapa ao olhar crítico do narrador:


Se o senhor de um arimo era pai-de-família, cada filho tinha que ter o seu escravo para lhe levar nas costas. As raparigas com a sua masseca. A senhora dona com a sua criada para lha abanar e lhe lavar os pés e não-sei-mais-onde. Fora a quantidade de lavadeiras e cozinheiros e aqueles que lhes serviam às mesas. Com outros que lhes varriam os quartos e lhes esfregavam o chão. [...] Não entravam nesta conta as remessas de caras negras outras muitas que tinham amontoadas ou nas caves do paço ou nos armazéns ao lado – à espera de naus a vir do Brasil despejar gentes e máquinas de guerra. [...] (Idem, p. 154)


O homem como mercadoria, vendido como máquina de produção à elite colonialista na América tornou-se o principal negócio de enriquecimento do colonialismo em África. Assim, o sistema de capital mercantil-escravista português é explicado de uma maneira tão simples que qualquer leitor pode compreender o triângulo entre uma classe de mercadores e fidalgos que aspirava viver de forma aristocrática tanto no Brasil-Colônia quanto no território angolano e, quando enriquecidos, retornar a Portugal como milionários e heróis.
A cobrança de dízimos pelo capitão-mor de cada região ao soba avassalado também é discutido no romance, ou seja, Pacavira justifica a ocorrência de tantas guerras em uma terra expropriada por forças invasoras. Por todos esses motivos, os guerreiros kimbundos tratavam de incendiar as matas, revoltosos com a situação, pois "filhos da terra, que perdiam a noção dos valores e dignidade de homem tocam a negociar os sobrinhos, os filhos, os irmãos [...] " (Id. Ibid., p. 156)


A morte de D. Álvaro IV, rei do Kongo e o assentamento de Kimpaku, o novo Muene-Kongo permite uma aliança entre este Império e o de Angola, o reino da Matamba. Em Portugal, por essa mesma época, um novo monarca senta-se ao trono, enquanto no Brasil, os colonos desejam a expulsão dos jesuítas que lhes impedem de escravizar os ameríndios. Pacavira parafraseia, então, um trecho de uma das Cartas do Padre António Vieira ao rei de Portugal: "Em quarenta anos se haviam matado e destruído, na costa e nos sertões, mais de dois milhões de índios e mais de quinhentas povoações como grandes cidades".
Kimpaku, o Muene-Kongo ativa relações com os holandeses que andavam sempre "em visita" às costas angolanas, desde que a Colônia de Brasil fora tomada pelos holandeses (1630 a 1554 – ocupação de Recife e Olinda, em Pernambuco; 1637-1644 – ocupação de São Luiz do Maranhão), considerando-se de 1630 a 1637 ocorreu o período de resistência à armada da Companhia das Índias Ocidentais, de Capital neerlandês, cuja empresa multinacional havia obtido dos Doze e do governo de Holanda uma autorização de exploração das Colônias então pertencentes a Portugal, pelo período de vinte e quatro anos, com o objetivo de restabelecer o comércio de açúcar com a Europa.
Assim, Pacavira detém-se sobre os acontecimentos em torno da invasão holandesa, quando o reino do Kongo e o de Angola se unem a estes contra os portugueses. Os holandeses invasores ocupam Luanda e Benguela, enquanto os portugueses se retiram para o interior, principalmente Massangano e outras fortalezas.
Na terceira parte, o autor trata dos acordos entre os Impérios locais e os holandeses, a libertação das irmãs de Nzinga que se encontram detidas em Massangano, sendo a Fuxi assassinada pelos portugueses nessa ocasião. E assim termina a narrativa assinada pelo autor, escrita entre outubro de 1972 e janeiro de 1973, no Campo de Trabalho de Chão Bom, Tarrafal, na Ilha de São Tiago (Santiago), no arquipélago de Cabo Verde.
No entanto, para efeito de informatividade, o que parece ser uma questão fundamental para Pacavira, encontra-se ao final do livro uma espécie de resumo histórico que abarca os períodos de 1647 a 1890, cujo autor não seria Pacavira, mas Kakulu Ka Henda Ka Mona, em que se narra alguns acontecimentos após a expulsão dos holandeses pelos portugueses, e a posterior aliança destes estabelecida com alguns locais ressentidos de seus direitos durante a ocupação holandesa ou mesmo por ganância, quando os portugueses conquistam posições definitivas no território angolano. Em 1656 desejam um acordo de paz com a rainha da Matamba, em que a reconheciam como senhora de suas terras.
Segundo o narrador, Nzinga Mbandi Ngola "morreu em 1663, em 17 de Dezembro, com 81 anos de idade", transformando-se posteriormente em um símbolo da resistência das comunidades tradicionais em África, constituindo uma tarefa quase impossível dissociar sua atuação na história de sua aura mítica e lendária, cujas façanhas eram contadas de geração a geração, como forma de guardar uma das facetas do poder heróico de certas mulheres.


4. O jogo de tensões no texto


O romance Nzinga Mbandi é dedicado às FAPLA – Forças Armadas Populares de Libertação de Angola - “Heróicos Combatentes da Liberdade”. Já em seu “A modos de Introdução”, o autor cita Paulo VI (1973, p. 8), no texto L' Observatore Romano5, em que o papa enfatiza a questão e a necessidade da paz, criticando os Imperialistas ao admitir que “isto certamente não é fácil, especialmente quando uma grande parte da economia mundial e da organização dos povos se funda sobre o poder das armas e sobre os critérios de emulação de uns sobre os outros”.
A partir da Dedicatória e da Epígrafe encontra-se o jogo de tensões instalado no romance que, já nesse início revela o grande desejo de paz e, ao mesmo tempo, sua impossibilidade representada pelo exercício da emulação de uns sobre outros, ou seja, a competição e a rivalidade, esta entendida aqui como a expropriação dos que não possuem armas para se defender daqueles que possuem sofisticadas tecnologias de guerra.
No aspecto da linguagem, ou especificamente, do código lingüístico, Pacavira instaura um narrador que possui um português próximo da oralidade do português-padrão, enquanto as falas das personagens se apresentam em kimbundo, ou mescladas ao português, às vezes em umbundo, enquanto vez ou outra, o narrador se esmera em comentários metalingüísticos, sem a preocupação de uma tradução oficial para o português de muitos dos comentários em línguas locais. Isso nos autoriza a compreender que Pacavira escrevia para um público bilingüe, ou seja, seus iguais, capazes tanto de entender português quanto kimbundo ou outras línguas locais.
Essa forma bilingüe do romance plasma a forma mesma das sociedades daquela época, considerando-se que, no século XVI, somente os que viviam em contato com os europeus nos entrepostos de tráfico de escravos é que dominavam a língua portuguesa. Por isso, as personagens de Pacavira falam, tantas vezes, em kimbundo. No entanto, o autor não pode utilizar esse único código em sua escrita, pois seus leitores são falantes de língua portuguesa.
Parece clara, então, a posição do narrador como sujeito inserido nas duas culturas que, aparentemente neutro, não deixa de ser irônico em muitas trechos do romance, apesar da seriedade com que é tratado o assunto e de todo respeito que nutre pela figura histórica da protagonista, desvelado no discurso do narrador.


Notas
1Doutoranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa. Área de Teoria Literária e Literatura Comparada. FFLCH- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – Universidade de São Paulo – SP. Tese: Das invasões às fogueiras: os discursos exocêntricos de Pepetela e Saramago. Orientadora: Profa. Dra. Tania Celestino de Macêdo.
2No texto, Pacavira não especifica os documentos que teriam sido consultados e de onde teriam sido recortados tais textos, mas o provável é que essas cartas façam parte dos primeiros documentos oficiais portugueses relacionados à conquista de Angola, aos quais talvez possamos ter acesso.
3D. Paulo Dias de Novais, fidalgo da Casa Real de Portugal, neto do navegador Bartolomeu Dias.
4Essa era a forma usada pelo rei de Angola para chamar D. Catheryna, a Rainha viúva.
5PAULO VI, L' Observatore Romano. Ed. Semanal em Português, 7 de janeiro de 1973, p. 8.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Análise de texto jornalístico

Análise de Texto Jornalístico

Crônica

O Método do Espantalho

Marcelo Leite
Colunista da Folha

Os militares e sua doutrina de segurança nacional, afinal, venceram. A recém-reconquistada popularidade do espantalho da "internacionalização da Amazônia" dá o melhor testemunho dessa vitória atrasada. Em pleno século 21, debate-se até impedir estrangeiros de adquirir propriedades no Brasil.
Antes de caçavam, debaixo de cada cama, vermelhos e padres a serviço do Kremlin ou de Castro. Agora, atrás de cada árvore, verdes e padres a soldo da Casa Branca ou do príncipe Charles.
Trata-se da conspiração mais eficiente da história, pois dela não existem evidências concretas. A lenda sobrevive lastreada em velhos fatos, como o furto das sementes de seringueira pelo inglês Henry Wickham há mais de 130 anos, e fraudes novas, como o fictício mapa de livro didático norte-americano.
Os falcões de George W. Bush inventaram armas de destruição em massa para subjugar o Iraque. Nossos arapongas criam ficção em massa paa arranhar movimentos sociais, povos indígenas e ONGs ambientais. Produzem mais ridículo do que informação.
Recomenda-se reler as reportagens de Josias de Souza, em 2001, sobre as operações Poseidon e Pescado, de serviços de "inteligência" do Exército, em Marbá (PA). Diante do fracasso da política de ocupação da Amazônia durante a ditadura militar (1964-1985), seus órfãos fazem o que podem para fustigar quem se insurge contra a grileirocracia que instalaram na periferia do poder regional.
Estava certo o senador amazonense Jefferson Péres quando disse, num de seus últimos discursos da tribuna que temia não tanto a cobiça internacional sobre a Amazônia, mas a cobiça nacional de madeireiros e pecuaristas. A xenofobia da internacionalização da Amazônia, de fato, só prejudica o país.
Em primeiro lugar, atrapalha a colaboração científica internacionail. Por exemplo, o projeto LBA (Experimento de Grande Escala Biofesra- Atmosfera da Amazônia), que penou para conseguir usar aviões da Nasa.
Ainda hoje, criminaliza a coleta de material biológico até por cientistas brasileiros. Durante anos, impediu que se formulasse uma proposta nacional para remunerar o serviço ambiental prestado ao planeta.
Seria ingênuo negar que, com a crescente explicitação dos limites físicos para explorar o capital natural (como no caso do aquecimento global), se avoluma o valor estratégico da floresta. Além dos ativos minerais, água e biodiversidade, a Amazônia estoca muito carbono – a anti-riqueza do futuro, que cria valor de troca quando se congela o valor de uso.
Sim, a Amazônia é nossa. Mas seria sandice reivindicá-la só para destruí-la. Há método, contudo, nessa loucura.

Aula

Gostaria de esclarecer, em primeiro lugar, que minha opinião sobre a ação das Forças Armadas na Amazônia não se alinha com o posicionamento do Jornalista. E, em segundo lugar, que o papel do analista do discurso não é emitir opiniões no momento da análise, mas manter-se o mais imparcial possível, afastando suas posições em relação ao objeto abordado e analisar com certa frieza, produzindo uma análise que se aproxime ao máximo da objetividade.
Como já vimos anteriormente, ao trabalharmos a Teoria da Análise do Discurso, a análise do discurso, diferentemente da interpretação, ela não se fundamenta na pergunta “o que” significa o texto, mas em “como” o texto significa.
Também vimos que há dois tipos de análise, uma que trabalha com os elementos internos do discurso, ou seja, aqueles que estruturam o que está dito (escrito) e os elementos que margeiam o discurso, ou seja, aqueles relacionados ao contexto de produção.
Nesta análise incluiremos elementos das duas teorias, de tal maneira que o dispositivo teórico possa abranger um campo mais amplo para melhor compreensão do texto.

Leitura

De que trata o texto?
Dos métodos utilizados pelos militares no Brasil. O texto questiona a ação das Forças Armadas na Amazônia, sugerindo que se trata de ficção.

Quem produz o texto? Ou seja, quem é o enunciador?

Na verdade, temos dois enunciadores: o colunista da Folha Marcelo Leite. A diferença um texto assinado por um colunista e um outro é que no primeiro a responsabilidade pelo texto é não somente do Jornal que veiculou a crônica, mas do próprio colunista. E o segundo enunciador é a própria Folha de São Paulo, como veículo difusor de informação. Ou seja, dois sujeitos-produtores.

Onde o texto é produzido?

Na redação do Jornal Folha de São Paulo. No Brasil.

Quando é produzido o texto?

Nos dias anteriores a 08 de junho de 2008. Por que? Porque uma crônica pode ser produzida antes, pode ter sido produzida alguns dias antes. É diferente da notícia do dia.

Qual o veículo que transporta o texto?

O Jornal Folha de São Paulo, um jornal que possui credibilidade junto a seus leitores, que possui História e um público fixo no Estado de São Paulo e outros lugares do Brasil, onde é distribuído. Traz notícias do Brasil e do mundo. Encontra-se dividido em várias secções. Esta crônica aparece na página A 10 do dia 08/Junho/2008. E não se encontra em destaque.

Qual o gênero ou sub-gênero a que pertence o texto?

Trata-se de um texto escrito, uma crônica, onde o jornalista vai expor uma espécie de tese, tratando de explicitar seus motivos para adotar um determinado posicionamento em relação ao assunto tratado.

Qual a estrutura que organiza o texto?

a) Quantos parágrafos?
São 10 parágrafos.

b) Em quantas partes se divide?

Em 5 partes.

1ª parte – Introdução - O enunciador expõe as novas questões levantadas pelos militares brasileiros. Inclui todo o primeiro parágrafo.
2ª parte – Procura no passado exemplos que possam ilustras as “ficções” que acredita que revelem as inverossimilhanças dos riscos que correria a Amazônia Brasileira.
Primeira oração do segundo parágrafo.
3ª parte – Organiza uma série de críticas ao que ele chama “xenofobia da internacionalização", a qual, segundo Leite, “só prejudica o país”. Da segunda oração do segundo parágrafo até o final do oitavo parágrafo. Para isso, convoca uma voz em discurso indireto, com o objetivo de reforçar sua tese.
4ª parte – Faz uma ressalva, ou seja, abre um discurso que revela o valor econômico da floresta, enumerando alguns dos recursos que a Amazônia comporta e seu valor no mundo. Ou seja, alude ao conhecimento do jogo econômico.
5ª parte – Apresenta uma conclusão a partir de um jargão. Encerra, retornando sobre o “método”; o método do espantalho que já aparece no título. A conclusão, então, se fecha em círculo, pois trata-se de um discurso circular, ou seja, a conclusão retoma o título.

É claro que essa primeira abordagem não diz propriamente respeito à análise do discurso, mas a estrutura de organização é fundamental para que se observe a estrutura retórica, ou seja, a forma como o enunciador organiza enunciado para que possa persuadir.

Nesse exercício de persuasão, o enunciador lança uma premissa, ou seja, uma idéia. Qual seja: a de que a internacionalização da Amazônia não passa de ficção [ou seja, imaginação]. Daí o método do espantalho.
Em seguida, trata de sustentar sua idéia sobre outros eventos que possam dar suporte às suas idéias.
No terceiro passo, procura mostrar os prejuízos do posicionamento que ele combate, ou seja, as atitudes dos militares. E, finalmente, toca na questão primordial, deixando muito clara sua posição. Ou seja, busca uma síntese.
Iniciemos nossa análise pelo Título – O que é um espantalho? Trata-se de uma figura assustadora, feia, mas também útil, pois é capaz de assustar os pássaros predadores que vêm destruir as plantações, flores, sementes, etc. O espantalho é uma figura ambígua nesse texto. Para o enunciador, a figura que representaria a internacionalização da Amazônia e os militares.

No primeiro parágrafo, o enunciador anuncia a vitória dos militares nas construções venceram e vitória atrasada da doutrina de segurança nacional.

Quem é o sujeito desse texto?
O sujeito é representado pelo sintagma nominal os militares. Não nos esqueçamos que os militares é metonímia de Forças Armadas, ou seja, toma-se o sujeito pela Instituição.
Então, esse sujeitos, os militares, representam um único sujeito: as Forças Armadas. E, num nível mais profundo de interpretação, uma Instituição do Poder Público do Brasil.

Atentemos para a expressão recém-reconquistada popularidade. O vocábulo recém indica recente e nos obriga a observar que não havia até então essa popularidade. Já a palavra reconquistada, que possui um prefixo re + conquistada, indica que essa popularidade existiu um dia [ nos tempos da ditadura?], extinguiu-se, reduziu-se e agora reapareceu, ou seja, foi conquistada novamente.
Atentem agora para o sintagma nominal vitória atrasada. Essa expressão indica que essa vitória já deveria ter ocorrido há mais tempo, atribuindo uma indefinição temporal a essa parte do texto, pois não indica exatamente quando, deixando um espaço de inferências ao leitor.
Em debate-se até (1º parágrafo), a preposição até indica uma série de outros debates [ausentes do discurso], mas presentes no próprio jornal do dia 08/06/2008, nas páginas A1 (capa), A2, A4 e A10, que tratam de assuntos correlatos, quanto em outros jornais, pois a discussão se encontra na agenda dos debates nacionais e algumas, dos debates internacionais.

O quê se debate? A "internacionalização da Amazônia" e "impedir estrangeiros de adquirir indiscriminadamente propriedades e empresas no Brasil" que controlem a economia de base. Esses subentendidos encontram-se no contexto imediato.

Como se encontram os verbos? Na terceira pessoa. Vejamos: Eles venceram. Os militares e sua (...) venceram. A popularidade [ela] (...). Em pleno século 21, debate-se (impessoal), Em debate-se o sujeito é indefinido, mas inferimos que refere-se à sociedade, ao governo e às instituições, que se encontram como subentendidos.
Temos um discurso INDIRETO. A palavra é do enunciador, ou do sujeito-produtor.

O segundo parágrafo inicia-se por Antes, um adjunto adverbial de tempo, o que indica um tempo anterior ao do texto, e significa que o enunciador (sujeito-produtor) vai relatar alguns eventos não datados que podem ilustrar sua teoria sobre o método do espantalho.
Antes acompanha o verbo se caçavam que também traz a indefinição do sujeito, ou seja, novamente refere-se não somente aos militares mas a vários segmentos da sociedade que caçavam. É preciso trazer essa memória discursiva do passado ao presente. Caçavam quem? Vermelhos e padres a serviço do Kremlin ou de Castro. Onde? Debaixo das camas.
Essa construção pode ser substituída por subversivos e, em um nível mais abstrato, partidários e simpatizantes do sistema econômico comunista.
Essas afirmações trazem à baila algumas formações discursivas: as do período da guerra fria e as perseguições que os serviços de inteligência [ou de espionagem] exerciam sobre os cidadãos envolvidos com os movimentos políticos de esquerda em toda a América Latina.

Mas o que é o Kremlin? Não se encontra exposto, o que indica que o enunciador, ou seja, o sujeito-produtor do discurso estabelece uma Formação Imaginária em relação ao conhecimento de seu leitor. Qual seja: Meu leitor, que é informado, sabe que o Kremlin é a sede do Governo da extinta União Soviética, atual Rússia.
E Castro? Também não há referência explícita. Mas o jornalista possui Formações Imaginárias determinadas de seu leitor. Tem certeza que seu leitor conhece Fidel Castro e sua história. Fidel Castro, líder popular cubano que promoveu a revolução socialista em Cuba, de base econômica comunista e transformou-se posteriormente em ditador. São SUBENTEDIDOS, porque não se encontram no texto. É preciso construir formações parafrástricas que não se encontram disponíveis, articulando pressupostos e subentendidos, ou seja, um nível interior ao texto e outro nível exterior.
Nesse parágrafo, o enunciador contrói um paralelismo sintático e figurativo.

Observe:
Antes, caçava-se, debaixo de cada cama, vermelhos e padres a serviço do Kremlin ou de Castro.
Agora, atrás de cada árvore, verdes e padres a soldo da Casa Branca ou do príncipeCharles
.

Esse constitui um recurso retórico de comparação com o objetivo de identificação, ou seja, reiterar a prática da Instituição.
Para analisar essa oposição é preciso verificar primeiro o nível das hipérboles: debaixo de cada cama, o exagero, em nível mais profundo significa o rigor das operações, ou seja, a minúcia, e, assim, também atrás de cada árvore.
Vermelhos e padres === verdes e padres são comparados de forma simplista, haja vista que os primeiros (vermelhos) engajaram-se em um movimento de transformação do modelo de produção econômica do país, enquanto os segundos (verdes) engajaram-se em movimentos de proteção, preservação e manutenção do que já existe. São os defensores do verde e do meio ambiente. Os segundos não propõem transformação econômica, apenas política, por isso, não ofereceriam, teoricamente, os mesmos riscos que os vermelhos às grandes propriedades e fortunas. Quanto aos padres, refere-se a eles por suas presenças na proteção de movimentos sociais dos excluídos nos últimos tempos e por esconderem comunistas sob suas batinas durante a ditadura [alguns].
No terceiro parágrafo, na construção trata-se da conspiração mais eficiente da história, pois dela não existem evidências concretas. Ao dizer que não exitem evidências concretas, o enunciador (sujeito-produtor) ironiza a existência de uma conspiração. O que o enunciador (sujeito-produtor) insinua? O fato de não deixar qualquer evidência a tornaria mais eficiente [do que as outras já consolidadas e comprovadas, é claro]. E a ironia se confirma. A ironia, ao contrário do que se imagina, não se resume a ler “ao contrário” o que se escreveu, mas em indicar um sentido “outro” que não o denotativo. Esse sentido se encontra no plano do discurso, pois não está escrito, mas inscrito no texto.

A negação da verossimilhança da internacionalização da Amazônia se confirma pelo enunciador ao escrever a lenda sobrevive. O que é uma lenda? Uma história fantasiosa, imaginativa. E a qual lenda se refere? À lenda da internacionalização da Amazônia. E ela sobrevive como? Lastreada. Ou seja, traz em seu lastro outras histórias, o que o enuncidor [sujeito-produtor] representa no nível superficial do discurso com velhos fatos e fraudes novas.

E exemplifica esses velhos fatos :
-o roubo das sementes de seringueira pelo inglês Henry Wickham, há mais de 130 anos;
exemplifica com fraudes novas:
o fictício mapa do livro didático norte-americano. No tal mapa a Amazônia aparece como área internacional.

O enunciador, então, sustenta e credibiliza sua assertiva com a exemplificação [ou ilustração] na retórica. Como já vimos, trata-se de um recurso da retórica clássica.
No quarto parágrafo, o enunciador deixa o tom irônico e assume o sério-cômico e constrói um novo paralelismo sintático, dessa vez, uma comparação por antítese:

Os falcões de George W. Bush inventaram armas de destruição em massa para subjugar o Iraque.
Nossos arapongas [nossos] criam ficção em massa para arranhar movimentos sociais, povos indígenas e ONGs ambientais.

Veja que falcões nessa construção sintática indica os militares do governo impopular norte-americano, o falcão é um animal predador, ou seja, predadores dos iraquianos e de outros povos do mundo, enquanto arapongas refere-se a uma ave brasileira. É uma ave de canto alto e estridente que lembra o trabalho de um ferreiro. Por isso, seu nome é também ferreiro ou ferrador. É um pássaro nervoso, briguento e assustadiço. Os machos protegem seus territórios nas árvores, eles têm um espaço alto onde cantam e um baixo onde acasalam e não permitem que outro macho se aproxime. Mas refere-se também a uma telenovela de Dias Gomes, cujo título é Araponga, levada ao ar em 1990 pela Globo, em que há um detetive atrapalhado chamado Araponga. Significa, também detetive particular, o araponga.
O que se encontra claro é a junção das características das aves “canto alto e estridente”, pássaro nervoso, briguento e assustadiço, protegem seus territórios nas árvores com as características da instituição Forças Armadas e sua atuação na Amazônia, mas não só. Os militares também investigam e espionam as funções das instituições e atividades que se desenvolvem na Amazônia, como área de segurança nacional.
Ao mesmo tempo que mostra como é o método de nossos militares, trata de generalizar que militares são militares, estão sempre tentando destruir. No Iraque ou na Amazônia.
Subjugar e arranhar. Enquanto o falcão é o predador, o araponga é o ferrador. No entanto, ele ridiculariza os generais pelas expressões arapongas, ficção, e arranhar, ou seja, aparecem como termos disfóricos se comparados com os dos militares norte-americanos.
Nesse parágrafo, ao usar o pronome possessivo nossos ele trata de unir-se ao leitor. Ou seja, busca um pacto com seu leitor, definindo a posse dos militares que seriam assim, ridículos, ficcionistas, arapongas, mas são nossos.
E, segundo o jornalista, produzem mais ridículo do que informação. Ao afirmar que os militares “criam ficção em massa”, o narrador coloca em descrédito a palavra dos militares e os propósitos da internacionalização da Amazônia, lançando sobre o tema a dúvida e a desconfiança no discurso da internacionalização por parte de seus leitores.
Assim, procura fazer com que desacreditem que existe uma real ameaça à área de florestas e às possíveis investidas contra o seu pertencimento à nação brasileira.

No quinto parágrafo, o narrador a fim de ilustrar sua tese, encaminha o leitor a um intertexto, que, claro, constitui-se também como um discurso "outro", à margem do texto "O método do espantalho".
O discurso que se encontra no co-texto se refere às reportagens de Josias de Sousa, diretor da Sucursal da Folha de São Paulo em Brasília, produzidos em 2001. Nesses textos a que se refere o enunciador deste texto, Josias trata da Operação Poseidon e da Operação Pescado.
Nessas construções, o enunciador remete seu leitor à própria memória, ou à dúvida, indicando intertextos. Suas formações imaginárias admitem que seu leitor já tenha lido os textos de Josias da Silva, publicados na Folha de São Paulo, em 2001. Um apelo ao pré-construído.
Mas o que consistiu a Operação Poseidon? Teria sido articulada pelos militares para vigiar as ONGs e seus trabalhos, bem como certas Associações religiosas ligadas a movimentos de trabalhadores, onde se reúnem trabalhadores e religiosos, a exemplo de Marabá. Padre Adolfo Gallas, no Pará, Padres Sílvio e Geraldo, no Xingu, são alguns dos nomes que apareceriam nos relatórios das operações sobre os "encontros" e reuniões dos movimentos, bem como os nomes dos militantes ligados à esquerda brasileira.
E a Operação Pescado? Teria sido organizada pelos militares para monitorar as ações do MST- Movimento dos Sem Terra -, em certas regiões, por suspeitas de que esse grupo tivesse entre os seus membros uma facção armada disposta a deflagrar um "golpe vermelho" em parceria com a CUT – Central Única dos Trabalhadores – por ocasião da eleição de Lula. Como nada disso se confirmou, o enunciador utiliza esse exemplo, como mais uma ficção dos militares.

A oposição verdade x mentira ou verossimilança X inverossimilhança está concluída e se assenta como FUNDAMENTO DO DISCURSO.

Observemos o sintagma nominal seus órfãos. A quem nomeiam? Aos militares. São os órfãos da ditadura. Porque a ditadura, a mãe, morreu (1964-1985). Agora são órfãos da ditadura e de sua política de ocupação da Amazônia (também falecida).

A acusação== [os militares] os órfãos (...) fazem o que podem para fustigar quem se insurge contra a grileirocracria (...)
E quem são os que se insurgem? Segundo o texto, ONGs, Padres, Sem Terras, Vermelhos, Verdes, etc.

Observe a palavra grileirocracria, temos aqui uma construção original e possível na língua portuguesa.
A palavra grileirocracria é formada por grileiro + cracia, um substantivo + um morfema sufixal que possui o significado que denomina formas de poder, governo ou política. Ex: democracia, plutocracia, aristocracia, etc.

Grileirocracia significa então o reinado, governo ou política dos grileiros -
Os grileiros, como sabemos, são os que se apossam das terras sem documentação ou com documentos falsos, ou seja, os grileiros mantém a posse ilegal da terra.
A partir desse ponto, o enunciador do discurso articula duas alianças:

verdes, ongs, padres, vermelhos, sem-terras, indígenas X militares e grileiros

No sexto parágrafo, chama a "Voz" de uma autoridade [argumento de autoridade], mas o faz em discurso indireto, e não em discurso direto, pois é o próprio enunciador quem vai tratar de reproduzir o texto do "ele". Mas quem é esse ele? É Jéferson Péres, senador amazonense, falecido em 23 de maio de 2008. O enunciador se refere a um dos últimos pronunciamentos do senador amazonense em que diz:

Meus compatrícios, deixem de se assustar tanto com a suposta internacionalização da Amazônia. Isso não vai acontecer. Agora, por favor, acionem as autoridades brasileiras para cuidarem melhor da região. Não tenho tanto medo da cobiça internacional sobre a Amazônia. Tenho medo da cobiça nacional sobre a Amazônia, da ação de madeireiros, de pecuaristas e de outros que podem provocar, repito, o holocausto ecológico naquela região.
O enunciador produz uma formação parafrástica desse texto.

Aos primeiros, o enunciador tratará de agregar ainda outro grupo: os estrangeiros, se bem que já se pode compreendê-los como integrantes dos verdes. Mas não se trata unicamente daqueles, mas de outros tipos de estrangeiros, como pesquisadores, compradores de estoques de carbono [ELEMENTOS IMPLÍCITOS].
Nesse momento, o enunciador parece posicionar-se em relação à internacionalização da Amazônia, ou seja, parece concordar com ela e trabalha todos os seus argumentos para revelar que a intervenção militar "prejudica o país"
No parágrafo sétimo e no parágrafo oitavo, o enunciador vai expor os por quês. O enunciador acredita que o que chama de xenofobia prejudica o país. Em primeiro lugar, [a xenofobia] "atrapalha a colaboração científica internacional" e "prejudica também as nossas próprias pesquisas". Para o primeiro caso, ilustra com o caso da LBA, o qual "penou" para usar os aviões da NASA. No segundo caso, os pesquisadores não podem retirar material da Amazônia sem autorização.
Os vocábulos "atrapalha", "criminaliza", "impedir", "penou" são termos disfóricos, pois possuem valor negativo e encontram-se ligados à ação dos militares e sua política protecionista e de vigilância. Assim como "espantalho", "órfãos" [da ditadura], "arapongas", "caçavam", "caçam" [implícito].

Mas há, de fato, uma xenofobia? Quem sabe o que é xenofobia?

Gostaria de considerar o texto sobre as ONGs na Amazônia, cerca de cem mil, e a grande maioria delas liderada por estrangeiros. Além dos projetos de vários países presentes ali.

Em nível mais profundo, no discurso inscrito no texto, temos uma oposição entre nacionalismo e globalização.
O enunciador se posiciona pela segunda ideologia, ou seja, abrir o espaço da Amazônia aos interesses internacionais: pesquisa, ONGs, projetos- conjuntos, remuneração de serviço ambiental prestado ao planeta, etc.
No parágrafo nono, ou seja, o penúltimo, o enunciador posiciona-se de forma mais severa. Nele, revela a importância e alguns dos bens da floresta: água, estoque de carbono, biodiversidade e ativos minerais. Entende que congelar valor de uso cria valor de troca. Ou seja, valor de uso = utilidade, enquanto valor de troca = valor de mercadoria. Usa termos da economia, ou seja, insere termos característicos do discurso da ciência econômica.

Há nesse parágrafo uma construção parafrástica explícita, ou seja, quando ele denomina o carbono como " a anti-riqueza do futuro".

No parágrafo final, o enunciador confirma o dilema, utilizando um refrão que foi usado pelo governo brasileiro para responder às insinuações exteriores de que seria ideal internacionalizar a Amazônia: "A Amazônia é do Brasil".

O enunciador parafraseia o jargão que aparece em vários canais de televisão. Sim, a Amazônia é nossa" (parágrafo 10). No entanto, para referendar o que vem sendo exposto ao longo do texto, utiliza a adversativa: "Mas, ... o que indica que é nossa, mas há algo a considerar [articula uma oposição ou impedimento]:
Seria sandice reivindicá-la só para destruí-la. Há método, contudo, nessa loucura.
Também nesse momento, o pronome possessivo nossa, estabelece um novo acordo de união com o leitor.

OS TERMOS SANDICE, LOUCURA vêm se alinhar a "ficção", "lenda", "conspiração", "fictício", e outros, articulados no sentido de sustentar a inverossimilhança.

A oposição definitiva no discurso se estrutura então como:
verossimilhança X inverossimilhança == verdade x mentira,
o que determina o fundamento do texto:
internacionalização X nacionalização,
em que os termos disfóricos encontram-se ligados ao segundo, com privilégio do primeiro, ou seja, a internacionalização.
Nesse momento, é preciso sobservar que se instala um grande paradoxo nessa construção.
Observe o verbo "reivindicar". Reivindicamos o que não temos e queremos. Não se reivindica o que se possui. Se é nossa, não a reivindicamos. Só os estrangeiros poderiam reivindicá-la. Mas eles não estão fora dela. Estão lá. Em grande número. Daí não caber o termo xenofobia.

O interesse pelas terras brasileiras pode ser visto em outras reportagens e artigos do mesmo jornal do dia 08/06/2008 em várias páginas. Na página A4, encontra-se uma relação dos proprietários ESTRANGEIROS legais de terras brasileiras até 2007 – mas há mais 1,7 milhões de hectares de terras que não foram contabilizados até junho de 2008.
A curva de aquisição de propriedades é ascendente, se considerarmos o período 2006-2007. E, além disso, não se contou a presença de mais de 100.000 ONGs e OSCIPs – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público -, atualmente também sob investigação, como as ONGs.

sábado, 17 de maio de 2008

Narrar para...


A hora da história
Seis horas da tarde e os moradores da casa já se encontram no retorno de seu dia, cheio como sempre, despertado das horas de trabalho intenso, de rotina, de cafés, e sim e não do dia, e a exaustão da mecanicidade, do sempre o mesmo de todo dia finalmente se vê assim interrompida pela refeição conjunta mas não mais à mesa, porque na mesa do apartamento não cabem as seis pessoas que vivem em sessenta e cinco metros quadrados. Tirado o cansaço e a poluição grudada no corpo e nos cabelos na chuveirada cheirosa a shampoos de variáveis perfumes artificiais, a roupa limpa parece acariciar a pele esfregada e preparada para o mesmo do dia seguinte. Cada um já faz seu prato simples com uma massa e um pedaço de carne acompanhado de salada enquanto os talheres se perturbam um ao outro por falta de espaço para repousar e os pufs e sofás da pequena saleta logo se encontram amontoadamente ocupados pelos que moram ali.
Aprisionada, não é Sherazade quem vai contar uma história que os apanhará no novelo da curiosidade com uma narrativa que já se comprovou fundamental para a preservação da capacidade de seqüência no raciocínio lógico do ser humano e, ainda, capaz de mobilizar diferentes emoções em seus ouvintes. Não é Sherazade que os fará rir ou quem sabe chorar esta noite como as noites todas que se vêm passando, mas uma tentativa desesperada de imitá-la, a mesma tentativa dos folhetins de seqüestrar para si mesmo toda a atenção do leitor, contando a história em pequenas partes a ponto de consolar com o semelhante da arte os homens que só têm aquelas duas ou três horas da noite como tempo livre do dia para descansar. Não é Sherazade que lhes trará a voz precisa e repleta de entonação, mas a cópia de cada personagem que a contadora de histórias não precisa mais enunciar, porque foi demitida.
Assim, como inúmeros desempregados desse sistema, Sherazade não tem mais emprego, foi substituída pela tevê popular que, embora não seja capaz de fazer quase o mesmo que ela, aparenta fazer muito mais. E, ainda, de quebra, mantém alegre e aprisionado em seu enredo não o rei, mas milhares de trabalhadores, salvando também a si própria e tudo que esconde por trás. E, como Sherazade, pode tornar-se muito rica, mesmo que esteja dividida em uma facção de estórias que parecem intermináveis, continuando semana a semana. Só os esgotados do dia é que ficam cada vez mais vazios e mais pobres, pois não se encontra Sherazade permitindo-lhes o imaginar....
R. Manhas

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Moçambique

A extensão de Moçambique permite visualizar a importância de sua posição geográfica na África:


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Arquipélago de Cabo Verde

Olha só que belas Ilhas há em Cabo Verde




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segunda-feira, 7 de abril de 2008

Sobre Moçambique - Maputo, a capital

Olha só que linda a capital de Moçambique!!

Para ver as ruas e as praias, as casas, os caniços e as mansões, os barcos, os automóveis, enfim, a cidade... de perto... é só aproximar clicando duas vezes na mãozinha, e movendo as setas.



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Sobre Maputo - Moçambique

Olha isso, que visão encantadora!

Para ver as casas e mansões, as praias e ruas de perto, é só clicar duas vezes na mãozinha.



Moçambique à vista

Já que não podemos ir a Moçambique, não custa dar uma "voadinha" sobre a cidade.

A imagem de satélite não está muito nítida, mas tudo bem.


Vamos ver Maputo, é só clicar duas vezes na mãozinha:



domingo, 6 de abril de 2008

Sobrevoando Angola I

Olha só, como é possível sobrevoar Luanda sem sair do Brasil:

Basta mover as setas!



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