quinta-feira, 3 de julho de 2008

Análise de texto jornalístico

Análise de Texto Jornalístico

Crônica

O Método do Espantalho

Marcelo Leite
Colunista da Folha

Os militares e sua doutrina de segurança nacional, afinal, venceram. A recém-reconquistada popularidade do espantalho da "internacionalização da Amazônia" dá o melhor testemunho dessa vitória atrasada. Em pleno século 21, debate-se até impedir estrangeiros de adquirir propriedades no Brasil.
Antes de caçavam, debaixo de cada cama, vermelhos e padres a serviço do Kremlin ou de Castro. Agora, atrás de cada árvore, verdes e padres a soldo da Casa Branca ou do príncipe Charles.
Trata-se da conspiração mais eficiente da história, pois dela não existem evidências concretas. A lenda sobrevive lastreada em velhos fatos, como o furto das sementes de seringueira pelo inglês Henry Wickham há mais de 130 anos, e fraudes novas, como o fictício mapa de livro didático norte-americano.
Os falcões de George W. Bush inventaram armas de destruição em massa para subjugar o Iraque. Nossos arapongas criam ficção em massa paa arranhar movimentos sociais, povos indígenas e ONGs ambientais. Produzem mais ridículo do que informação.
Recomenda-se reler as reportagens de Josias de Souza, em 2001, sobre as operações Poseidon e Pescado, de serviços de "inteligência" do Exército, em Marbá (PA). Diante do fracasso da política de ocupação da Amazônia durante a ditadura militar (1964-1985), seus órfãos fazem o que podem para fustigar quem se insurge contra a grileirocracia que instalaram na periferia do poder regional.
Estava certo o senador amazonense Jefferson Péres quando disse, num de seus últimos discursos da tribuna que temia não tanto a cobiça internacional sobre a Amazônia, mas a cobiça nacional de madeireiros e pecuaristas. A xenofobia da internacionalização da Amazônia, de fato, só prejudica o país.
Em primeiro lugar, atrapalha a colaboração científica internacionail. Por exemplo, o projeto LBA (Experimento de Grande Escala Biofesra- Atmosfera da Amazônia), que penou para conseguir usar aviões da Nasa.
Ainda hoje, criminaliza a coleta de material biológico até por cientistas brasileiros. Durante anos, impediu que se formulasse uma proposta nacional para remunerar o serviço ambiental prestado ao planeta.
Seria ingênuo negar que, com a crescente explicitação dos limites físicos para explorar o capital natural (como no caso do aquecimento global), se avoluma o valor estratégico da floresta. Além dos ativos minerais, água e biodiversidade, a Amazônia estoca muito carbono – a anti-riqueza do futuro, que cria valor de troca quando se congela o valor de uso.
Sim, a Amazônia é nossa. Mas seria sandice reivindicá-la só para destruí-la. Há método, contudo, nessa loucura.

Aula

Gostaria de esclarecer, em primeiro lugar, que minha opinião sobre a ação das Forças Armadas na Amazônia não se alinha com o posicionamento do Jornalista. E, em segundo lugar, que o papel do analista do discurso não é emitir opiniões no momento da análise, mas manter-se o mais imparcial possível, afastando suas posições em relação ao objeto abordado e analisar com certa frieza, produzindo uma análise que se aproxime ao máximo da objetividade.
Como já vimos anteriormente, ao trabalharmos a Teoria da Análise do Discurso, a análise do discurso, diferentemente da interpretação, ela não se fundamenta na pergunta “o que” significa o texto, mas em “como” o texto significa.
Também vimos que há dois tipos de análise, uma que trabalha com os elementos internos do discurso, ou seja, aqueles que estruturam o que está dito (escrito) e os elementos que margeiam o discurso, ou seja, aqueles relacionados ao contexto de produção.
Nesta análise incluiremos elementos das duas teorias, de tal maneira que o dispositivo teórico possa abranger um campo mais amplo para melhor compreensão do texto.

Leitura

De que trata o texto?
Dos métodos utilizados pelos militares no Brasil. O texto questiona a ação das Forças Armadas na Amazônia, sugerindo que se trata de ficção.

Quem produz o texto? Ou seja, quem é o enunciador?

Na verdade, temos dois enunciadores: o colunista da Folha Marcelo Leite. A diferença um texto assinado por um colunista e um outro é que no primeiro a responsabilidade pelo texto é não somente do Jornal que veiculou a crônica, mas do próprio colunista. E o segundo enunciador é a própria Folha de São Paulo, como veículo difusor de informação. Ou seja, dois sujeitos-produtores.

Onde o texto é produzido?

Na redação do Jornal Folha de São Paulo. No Brasil.

Quando é produzido o texto?

Nos dias anteriores a 08 de junho de 2008. Por que? Porque uma crônica pode ser produzida antes, pode ter sido produzida alguns dias antes. É diferente da notícia do dia.

Qual o veículo que transporta o texto?

O Jornal Folha de São Paulo, um jornal que possui credibilidade junto a seus leitores, que possui História e um público fixo no Estado de São Paulo e outros lugares do Brasil, onde é distribuído. Traz notícias do Brasil e do mundo. Encontra-se dividido em várias secções. Esta crônica aparece na página A 10 do dia 08/Junho/2008. E não se encontra em destaque.

Qual o gênero ou sub-gênero a que pertence o texto?

Trata-se de um texto escrito, uma crônica, onde o jornalista vai expor uma espécie de tese, tratando de explicitar seus motivos para adotar um determinado posicionamento em relação ao assunto tratado.

Qual a estrutura que organiza o texto?

a) Quantos parágrafos?
São 10 parágrafos.

b) Em quantas partes se divide?

Em 5 partes.

1ª parte – Introdução - O enunciador expõe as novas questões levantadas pelos militares brasileiros. Inclui todo o primeiro parágrafo.
2ª parte – Procura no passado exemplos que possam ilustras as “ficções” que acredita que revelem as inverossimilhanças dos riscos que correria a Amazônia Brasileira.
Primeira oração do segundo parágrafo.
3ª parte – Organiza uma série de críticas ao que ele chama “xenofobia da internacionalização", a qual, segundo Leite, “só prejudica o país”. Da segunda oração do segundo parágrafo até o final do oitavo parágrafo. Para isso, convoca uma voz em discurso indireto, com o objetivo de reforçar sua tese.
4ª parte – Faz uma ressalva, ou seja, abre um discurso que revela o valor econômico da floresta, enumerando alguns dos recursos que a Amazônia comporta e seu valor no mundo. Ou seja, alude ao conhecimento do jogo econômico.
5ª parte – Apresenta uma conclusão a partir de um jargão. Encerra, retornando sobre o “método”; o método do espantalho que já aparece no título. A conclusão, então, se fecha em círculo, pois trata-se de um discurso circular, ou seja, a conclusão retoma o título.

É claro que essa primeira abordagem não diz propriamente respeito à análise do discurso, mas a estrutura de organização é fundamental para que se observe a estrutura retórica, ou seja, a forma como o enunciador organiza enunciado para que possa persuadir.

Nesse exercício de persuasão, o enunciador lança uma premissa, ou seja, uma idéia. Qual seja: a de que a internacionalização da Amazônia não passa de ficção [ou seja, imaginação]. Daí o método do espantalho.
Em seguida, trata de sustentar sua idéia sobre outros eventos que possam dar suporte às suas idéias.
No terceiro passo, procura mostrar os prejuízos do posicionamento que ele combate, ou seja, as atitudes dos militares. E, finalmente, toca na questão primordial, deixando muito clara sua posição. Ou seja, busca uma síntese.
Iniciemos nossa análise pelo Título – O que é um espantalho? Trata-se de uma figura assustadora, feia, mas também útil, pois é capaz de assustar os pássaros predadores que vêm destruir as plantações, flores, sementes, etc. O espantalho é uma figura ambígua nesse texto. Para o enunciador, a figura que representaria a internacionalização da Amazônia e os militares.

No primeiro parágrafo, o enunciador anuncia a vitória dos militares nas construções venceram e vitória atrasada da doutrina de segurança nacional.

Quem é o sujeito desse texto?
O sujeito é representado pelo sintagma nominal os militares. Não nos esqueçamos que os militares é metonímia de Forças Armadas, ou seja, toma-se o sujeito pela Instituição.
Então, esse sujeitos, os militares, representam um único sujeito: as Forças Armadas. E, num nível mais profundo de interpretação, uma Instituição do Poder Público do Brasil.

Atentemos para a expressão recém-reconquistada popularidade. O vocábulo recém indica recente e nos obriga a observar que não havia até então essa popularidade. Já a palavra reconquistada, que possui um prefixo re + conquistada, indica que essa popularidade existiu um dia [ nos tempos da ditadura?], extinguiu-se, reduziu-se e agora reapareceu, ou seja, foi conquistada novamente.
Atentem agora para o sintagma nominal vitória atrasada. Essa expressão indica que essa vitória já deveria ter ocorrido há mais tempo, atribuindo uma indefinição temporal a essa parte do texto, pois não indica exatamente quando, deixando um espaço de inferências ao leitor.
Em debate-se até (1º parágrafo), a preposição até indica uma série de outros debates [ausentes do discurso], mas presentes no próprio jornal do dia 08/06/2008, nas páginas A1 (capa), A2, A4 e A10, que tratam de assuntos correlatos, quanto em outros jornais, pois a discussão se encontra na agenda dos debates nacionais e algumas, dos debates internacionais.

O quê se debate? A "internacionalização da Amazônia" e "impedir estrangeiros de adquirir indiscriminadamente propriedades e empresas no Brasil" que controlem a economia de base. Esses subentendidos encontram-se no contexto imediato.

Como se encontram os verbos? Na terceira pessoa. Vejamos: Eles venceram. Os militares e sua (...) venceram. A popularidade [ela] (...). Em pleno século 21, debate-se (impessoal), Em debate-se o sujeito é indefinido, mas inferimos que refere-se à sociedade, ao governo e às instituições, que se encontram como subentendidos.
Temos um discurso INDIRETO. A palavra é do enunciador, ou do sujeito-produtor.

O segundo parágrafo inicia-se por Antes, um adjunto adverbial de tempo, o que indica um tempo anterior ao do texto, e significa que o enunciador (sujeito-produtor) vai relatar alguns eventos não datados que podem ilustrar sua teoria sobre o método do espantalho.
Antes acompanha o verbo se caçavam que também traz a indefinição do sujeito, ou seja, novamente refere-se não somente aos militares mas a vários segmentos da sociedade que caçavam. É preciso trazer essa memória discursiva do passado ao presente. Caçavam quem? Vermelhos e padres a serviço do Kremlin ou de Castro. Onde? Debaixo das camas.
Essa construção pode ser substituída por subversivos e, em um nível mais abstrato, partidários e simpatizantes do sistema econômico comunista.
Essas afirmações trazem à baila algumas formações discursivas: as do período da guerra fria e as perseguições que os serviços de inteligência [ou de espionagem] exerciam sobre os cidadãos envolvidos com os movimentos políticos de esquerda em toda a América Latina.

Mas o que é o Kremlin? Não se encontra exposto, o que indica que o enunciador, ou seja, o sujeito-produtor do discurso estabelece uma Formação Imaginária em relação ao conhecimento de seu leitor. Qual seja: Meu leitor, que é informado, sabe que o Kremlin é a sede do Governo da extinta União Soviética, atual Rússia.
E Castro? Também não há referência explícita. Mas o jornalista possui Formações Imaginárias determinadas de seu leitor. Tem certeza que seu leitor conhece Fidel Castro e sua história. Fidel Castro, líder popular cubano que promoveu a revolução socialista em Cuba, de base econômica comunista e transformou-se posteriormente em ditador. São SUBENTEDIDOS, porque não se encontram no texto. É preciso construir formações parafrástricas que não se encontram disponíveis, articulando pressupostos e subentendidos, ou seja, um nível interior ao texto e outro nível exterior.
Nesse parágrafo, o enunciador contrói um paralelismo sintático e figurativo.

Observe:
Antes, caçava-se, debaixo de cada cama, vermelhos e padres a serviço do Kremlin ou de Castro.
Agora, atrás de cada árvore, verdes e padres a soldo da Casa Branca ou do príncipeCharles
.

Esse constitui um recurso retórico de comparação com o objetivo de identificação, ou seja, reiterar a prática da Instituição.
Para analisar essa oposição é preciso verificar primeiro o nível das hipérboles: debaixo de cada cama, o exagero, em nível mais profundo significa o rigor das operações, ou seja, a minúcia, e, assim, também atrás de cada árvore.
Vermelhos e padres === verdes e padres são comparados de forma simplista, haja vista que os primeiros (vermelhos) engajaram-se em um movimento de transformação do modelo de produção econômica do país, enquanto os segundos (verdes) engajaram-se em movimentos de proteção, preservação e manutenção do que já existe. São os defensores do verde e do meio ambiente. Os segundos não propõem transformação econômica, apenas política, por isso, não ofereceriam, teoricamente, os mesmos riscos que os vermelhos às grandes propriedades e fortunas. Quanto aos padres, refere-se a eles por suas presenças na proteção de movimentos sociais dos excluídos nos últimos tempos e por esconderem comunistas sob suas batinas durante a ditadura [alguns].
No terceiro parágrafo, na construção trata-se da conspiração mais eficiente da história, pois dela não existem evidências concretas. Ao dizer que não exitem evidências concretas, o enunciador (sujeito-produtor) ironiza a existência de uma conspiração. O que o enunciador (sujeito-produtor) insinua? O fato de não deixar qualquer evidência a tornaria mais eficiente [do que as outras já consolidadas e comprovadas, é claro]. E a ironia se confirma. A ironia, ao contrário do que se imagina, não se resume a ler “ao contrário” o que se escreveu, mas em indicar um sentido “outro” que não o denotativo. Esse sentido se encontra no plano do discurso, pois não está escrito, mas inscrito no texto.

A negação da verossimilhança da internacionalização da Amazônia se confirma pelo enunciador ao escrever a lenda sobrevive. O que é uma lenda? Uma história fantasiosa, imaginativa. E a qual lenda se refere? À lenda da internacionalização da Amazônia. E ela sobrevive como? Lastreada. Ou seja, traz em seu lastro outras histórias, o que o enuncidor [sujeito-produtor] representa no nível superficial do discurso com velhos fatos e fraudes novas.

E exemplifica esses velhos fatos :
-o roubo das sementes de seringueira pelo inglês Henry Wickham, há mais de 130 anos;
exemplifica com fraudes novas:
o fictício mapa do livro didático norte-americano. No tal mapa a Amazônia aparece como área internacional.

O enunciador, então, sustenta e credibiliza sua assertiva com a exemplificação [ou ilustração] na retórica. Como já vimos, trata-se de um recurso da retórica clássica.
No quarto parágrafo, o enunciador deixa o tom irônico e assume o sério-cômico e constrói um novo paralelismo sintático, dessa vez, uma comparação por antítese:

Os falcões de George W. Bush inventaram armas de destruição em massa para subjugar o Iraque.
Nossos arapongas [nossos] criam ficção em massa para arranhar movimentos sociais, povos indígenas e ONGs ambientais.

Veja que falcões nessa construção sintática indica os militares do governo impopular norte-americano, o falcão é um animal predador, ou seja, predadores dos iraquianos e de outros povos do mundo, enquanto arapongas refere-se a uma ave brasileira. É uma ave de canto alto e estridente que lembra o trabalho de um ferreiro. Por isso, seu nome é também ferreiro ou ferrador. É um pássaro nervoso, briguento e assustadiço. Os machos protegem seus territórios nas árvores, eles têm um espaço alto onde cantam e um baixo onde acasalam e não permitem que outro macho se aproxime. Mas refere-se também a uma telenovela de Dias Gomes, cujo título é Araponga, levada ao ar em 1990 pela Globo, em que há um detetive atrapalhado chamado Araponga. Significa, também detetive particular, o araponga.
O que se encontra claro é a junção das características das aves “canto alto e estridente”, pássaro nervoso, briguento e assustadiço, protegem seus territórios nas árvores com as características da instituição Forças Armadas e sua atuação na Amazônia, mas não só. Os militares também investigam e espionam as funções das instituições e atividades que se desenvolvem na Amazônia, como área de segurança nacional.
Ao mesmo tempo que mostra como é o método de nossos militares, trata de generalizar que militares são militares, estão sempre tentando destruir. No Iraque ou na Amazônia.
Subjugar e arranhar. Enquanto o falcão é o predador, o araponga é o ferrador. No entanto, ele ridiculariza os generais pelas expressões arapongas, ficção, e arranhar, ou seja, aparecem como termos disfóricos se comparados com os dos militares norte-americanos.
Nesse parágrafo, ao usar o pronome possessivo nossos ele trata de unir-se ao leitor. Ou seja, busca um pacto com seu leitor, definindo a posse dos militares que seriam assim, ridículos, ficcionistas, arapongas, mas são nossos.
E, segundo o jornalista, produzem mais ridículo do que informação. Ao afirmar que os militares “criam ficção em massa”, o narrador coloca em descrédito a palavra dos militares e os propósitos da internacionalização da Amazônia, lançando sobre o tema a dúvida e a desconfiança no discurso da internacionalização por parte de seus leitores.
Assim, procura fazer com que desacreditem que existe uma real ameaça à área de florestas e às possíveis investidas contra o seu pertencimento à nação brasileira.

No quinto parágrafo, o narrador a fim de ilustrar sua tese, encaminha o leitor a um intertexto, que, claro, constitui-se também como um discurso "outro", à margem do texto "O método do espantalho".
O discurso que se encontra no co-texto se refere às reportagens de Josias de Sousa, diretor da Sucursal da Folha de São Paulo em Brasília, produzidos em 2001. Nesses textos a que se refere o enunciador deste texto, Josias trata da Operação Poseidon e da Operação Pescado.
Nessas construções, o enunciador remete seu leitor à própria memória, ou à dúvida, indicando intertextos. Suas formações imaginárias admitem que seu leitor já tenha lido os textos de Josias da Silva, publicados na Folha de São Paulo, em 2001. Um apelo ao pré-construído.
Mas o que consistiu a Operação Poseidon? Teria sido articulada pelos militares para vigiar as ONGs e seus trabalhos, bem como certas Associações religiosas ligadas a movimentos de trabalhadores, onde se reúnem trabalhadores e religiosos, a exemplo de Marabá. Padre Adolfo Gallas, no Pará, Padres Sílvio e Geraldo, no Xingu, são alguns dos nomes que apareceriam nos relatórios das operações sobre os "encontros" e reuniões dos movimentos, bem como os nomes dos militantes ligados à esquerda brasileira.
E a Operação Pescado? Teria sido organizada pelos militares para monitorar as ações do MST- Movimento dos Sem Terra -, em certas regiões, por suspeitas de que esse grupo tivesse entre os seus membros uma facção armada disposta a deflagrar um "golpe vermelho" em parceria com a CUT – Central Única dos Trabalhadores – por ocasião da eleição de Lula. Como nada disso se confirmou, o enunciador utiliza esse exemplo, como mais uma ficção dos militares.

A oposição verdade x mentira ou verossimilança X inverossimilhança está concluída e se assenta como FUNDAMENTO DO DISCURSO.

Observemos o sintagma nominal seus órfãos. A quem nomeiam? Aos militares. São os órfãos da ditadura. Porque a ditadura, a mãe, morreu (1964-1985). Agora são órfãos da ditadura e de sua política de ocupação da Amazônia (também falecida).

A acusação== [os militares] os órfãos (...) fazem o que podem para fustigar quem se insurge contra a grileirocracria (...)
E quem são os que se insurgem? Segundo o texto, ONGs, Padres, Sem Terras, Vermelhos, Verdes, etc.

Observe a palavra grileirocracria, temos aqui uma construção original e possível na língua portuguesa.
A palavra grileirocracria é formada por grileiro + cracia, um substantivo + um morfema sufixal que possui o significado que denomina formas de poder, governo ou política. Ex: democracia, plutocracia, aristocracia, etc.

Grileirocracia significa então o reinado, governo ou política dos grileiros -
Os grileiros, como sabemos, são os que se apossam das terras sem documentação ou com documentos falsos, ou seja, os grileiros mantém a posse ilegal da terra.
A partir desse ponto, o enunciador do discurso articula duas alianças:

verdes, ongs, padres, vermelhos, sem-terras, indígenas X militares e grileiros

No sexto parágrafo, chama a "Voz" de uma autoridade [argumento de autoridade], mas o faz em discurso indireto, e não em discurso direto, pois é o próprio enunciador quem vai tratar de reproduzir o texto do "ele". Mas quem é esse ele? É Jéferson Péres, senador amazonense, falecido em 23 de maio de 2008. O enunciador se refere a um dos últimos pronunciamentos do senador amazonense em que diz:

Meus compatrícios, deixem de se assustar tanto com a suposta internacionalização da Amazônia. Isso não vai acontecer. Agora, por favor, acionem as autoridades brasileiras para cuidarem melhor da região. Não tenho tanto medo da cobiça internacional sobre a Amazônia. Tenho medo da cobiça nacional sobre a Amazônia, da ação de madeireiros, de pecuaristas e de outros que podem provocar, repito, o holocausto ecológico naquela região.
O enunciador produz uma formação parafrástica desse texto.

Aos primeiros, o enunciador tratará de agregar ainda outro grupo: os estrangeiros, se bem que já se pode compreendê-los como integrantes dos verdes. Mas não se trata unicamente daqueles, mas de outros tipos de estrangeiros, como pesquisadores, compradores de estoques de carbono [ELEMENTOS IMPLÍCITOS].
Nesse momento, o enunciador parece posicionar-se em relação à internacionalização da Amazônia, ou seja, parece concordar com ela e trabalha todos os seus argumentos para revelar que a intervenção militar "prejudica o país"
No parágrafo sétimo e no parágrafo oitavo, o enunciador vai expor os por quês. O enunciador acredita que o que chama de xenofobia prejudica o país. Em primeiro lugar, [a xenofobia] "atrapalha a colaboração científica internacional" e "prejudica também as nossas próprias pesquisas". Para o primeiro caso, ilustra com o caso da LBA, o qual "penou" para usar os aviões da NASA. No segundo caso, os pesquisadores não podem retirar material da Amazônia sem autorização.
Os vocábulos "atrapalha", "criminaliza", "impedir", "penou" são termos disfóricos, pois possuem valor negativo e encontram-se ligados à ação dos militares e sua política protecionista e de vigilância. Assim como "espantalho", "órfãos" [da ditadura], "arapongas", "caçavam", "caçam" [implícito].

Mas há, de fato, uma xenofobia? Quem sabe o que é xenofobia?

Gostaria de considerar o texto sobre as ONGs na Amazônia, cerca de cem mil, e a grande maioria delas liderada por estrangeiros. Além dos projetos de vários países presentes ali.

Em nível mais profundo, no discurso inscrito no texto, temos uma oposição entre nacionalismo e globalização.
O enunciador se posiciona pela segunda ideologia, ou seja, abrir o espaço da Amazônia aos interesses internacionais: pesquisa, ONGs, projetos- conjuntos, remuneração de serviço ambiental prestado ao planeta, etc.
No parágrafo nono, ou seja, o penúltimo, o enunciador posiciona-se de forma mais severa. Nele, revela a importância e alguns dos bens da floresta: água, estoque de carbono, biodiversidade e ativos minerais. Entende que congelar valor de uso cria valor de troca. Ou seja, valor de uso = utilidade, enquanto valor de troca = valor de mercadoria. Usa termos da economia, ou seja, insere termos característicos do discurso da ciência econômica.

Há nesse parágrafo uma construção parafrástica explícita, ou seja, quando ele denomina o carbono como " a anti-riqueza do futuro".

No parágrafo final, o enunciador confirma o dilema, utilizando um refrão que foi usado pelo governo brasileiro para responder às insinuações exteriores de que seria ideal internacionalizar a Amazônia: "A Amazônia é do Brasil".

O enunciador parafraseia o jargão que aparece em vários canais de televisão. Sim, a Amazônia é nossa" (parágrafo 10). No entanto, para referendar o que vem sendo exposto ao longo do texto, utiliza a adversativa: "Mas, ... o que indica que é nossa, mas há algo a considerar [articula uma oposição ou impedimento]:
Seria sandice reivindicá-la só para destruí-la. Há método, contudo, nessa loucura.
Também nesse momento, o pronome possessivo nossa, estabelece um novo acordo de união com o leitor.

OS TERMOS SANDICE, LOUCURA vêm se alinhar a "ficção", "lenda", "conspiração", "fictício", e outros, articulados no sentido de sustentar a inverossimilhança.

A oposição definitiva no discurso se estrutura então como:
verossimilhança X inverossimilhança == verdade x mentira,
o que determina o fundamento do texto:
internacionalização X nacionalização,
em que os termos disfóricos encontram-se ligados ao segundo, com privilégio do primeiro, ou seja, a internacionalização.
Nesse momento, é preciso sobservar que se instala um grande paradoxo nessa construção.
Observe o verbo "reivindicar". Reivindicamos o que não temos e queremos. Não se reivindica o que se possui. Se é nossa, não a reivindicamos. Só os estrangeiros poderiam reivindicá-la. Mas eles não estão fora dela. Estão lá. Em grande número. Daí não caber o termo xenofobia.

O interesse pelas terras brasileiras pode ser visto em outras reportagens e artigos do mesmo jornal do dia 08/06/2008 em várias páginas. Na página A4, encontra-se uma relação dos proprietários ESTRANGEIROS legais de terras brasileiras até 2007 – mas há mais 1,7 milhões de hectares de terras que não foram contabilizados até junho de 2008.
A curva de aquisição de propriedades é ascendente, se considerarmos o período 2006-2007. E, além disso, não se contou a presença de mais de 100.000 ONGs e OSCIPs – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público -, atualmente também sob investigação, como as ONGs.