domingo, 18 de agosto de 2013

Literatura Infanto Juvenil PARTE 1


LITERATURA INFANTO-JUVENIL

Da problemática do estudo do objeto da Literatura Infantil às produções em hipermídia: caminhos da literatura infanto-juvenil

Profa. Dra. Rosangela M.  Mantolvani

                A Literatura Infantojuvenil pode ser considerada como um gênero, no interior dos quais se configuram diferentes modos de realização e, ainda, seu conteúdo e forma específicas manifestam-se no interior de outros gêneros: fábulas, contos, romances, poemas, etc. todos produzidos no interior de uma estética e visão de mundo de jovens e crianças.

        Sabe-se que, embora muitas produções importantes desse gênero tenham se originado na oralidade, é a construção estética desses enredos e formas específicas em prosa ou verso que lhes determina a pertença ou não a esse tipo de literatura. Mas nem sempre foi assim.

Uma das questões que sempre se colocou como problemática nos estudos de Literatura infantojuvenil está relacionada à delimitação de seu objeto de estudo específico. Então, algumas perguntas que implicam em inúmeras respostas nos revelam o quão problemático tem sido esse “recorte” do objeto. Tanto que nos questionamos com Afrânio Coutinho e outros teóricos se a Literatura infantojuvenil deve abordar: "O livro escrito para crianças e jovens? Os livros cujas personagens são crianças e jovens? Ou, todos os livros que as crianças e jovens elegem como suas leituras prediletas?"

        É importante compreender que certa Literatura antiga que não foi produzida especificamente para crianças ou jovens tem sido preferida por estes há muito tempo, a exemplo das Fábulas de La Fontaine, ou livros como as Viagens de Gulliver, de Swift, ou ainda As aventuras de Telêmaco, de Fénelon.

Segundo Afrânio Coutinho (1971, p. 183), a literatura infantil deve ser enfocada na sua realidade, nos seus valores, nas suas expressões, como um ramo da literatura e não como capítulo de pedagogia ou até de didática.
        Mas não significa que os reflexos da literatura infantil na pedagogia ou na didática  não possam ser enfatizados e considerados, uma vez que são, tantas vezes, fundamentais na formação dos valores dos nossos pequenos.

A Literatura Infantil, necessariamente, deve ser estudada em função de seu leitor, pois ela existe exatamente para atender a esse público, divertindo, que é a sua função primeira.

A Literatura Infantil é, claro, funcional. Primeiramente, sua função é divertir e, se possível, educar e favorecer o desenvolvimento cognitivo, permitindo o acesso a conhecimentos e habilidades que facilitem a compreensão das emoções e da construção de valores saudáveis na vida das crianças e jovens em seu período de formação.

        Segundo Afrânio Coutinho, o fim da Literatura Infantil é por essência desinteressada, no sentido do ensino sistemático, embora possa ser educativa e instrutiva. Tem como objetivo:

“emocionar artisticamente a criança, pelo sublime, pelo cômico, pelo patético, pelo trágico, pelo pitoresco ou pela aventura e, ao mesmo tempo, despertar-lhe a imaginação e aprimorar-lhe a sensibilidade”. (COUTINHO, 1971, p. 183).

Visto como deleite para a criança, o livro infantil pode germinar o amor pela leitura e despertar curiosidade pelo mundo circundante, através do universo das histórias infantis e seus desfechos tantas vezes fascinantes.

Em 1956, Cecília Meireles, em seu Relatório da Comissão de Literatura Infantil, publicado no Diário Oficial de Junho daquele ano, em parceria com Lúcia Benedetti, já buscava apontar o que seria a Literatura Infantil, apontando como seus principais objetos:

a)   Os livros escritos para a infância (didáticos, recreativos e morais);

b)  A contribuição folclórica (canções de roda, brinquedos e parlendas, contos, lendas, etc.)

c)   Os livros para adultos passados para o domínio infantil (A. Dumas, F. Cooper, Dickens, M. Reid) e as grandes obras da literatura universal. [1]

As grandes fontes da Literatura Infanto-Juvenil são universais, a exemplo do folclore de diferentes culturas, dos contos de diversos lugares do mundo, das fábulas de diferentes origens culturais, dos apólogos, das lendas, dos contos populares urbanos, entre outras fontes para as crianças. Entre os jovens, destaca-se a preferência pela literatura de aventuras, a ficção científica, biografia de personalidades extravagantes do mundo pop ou do esporte, ficções românticas em que aparecem seres sobrenaturais, além sagas de heróis e bandidos.

No entanto, não é o enredo a característica fundamental para atrair a atenção dos jovens leitores, mas a forma como se organiza esse enredo. Ou seja, o estilo empregado pelo escritor que fará com que leitor sinta-se atraído ou não pelo conteúdo que se deslinda nas páginas de um livro de literatura infanto-juvenil.

Segundo Afrânio Coutinho, o folclore tem sido a grande matriz do gênero não só pelo fabuloso, mas pelo trato dos assuntos.

Nas fábulas, os animais surgem como protagonistas, geralmente, lembrando ao ser humano, lembrando a ele a sua origem no reino animal. As características do animal, geralmente possuem um elo de ligação com os sentimentos e valores que se pretende discutir na fábula, de maneira que tanto a vertente do significante quanto os significados mais profundos sejam compatíveis com os valores que são postos em discussão.

Geralmente, a fábula busca a discussão em torno dos costumes de uma sociedade, pretendendo uma reflexão acerca da moralidade e da ética de certas práticas. Seu fim é divertir, produzindo a reflexão sobre certos comportamentos sociais pouco éticos ou prejudiciais à sociedade, bem assim como discutir a validade de certas práticas arraigadas na sociedade contemporânea ou na de todos os tempos.

 Após as tradução de Esopo, escritor da Grécia antiga, cuja vida se encontra envolvida em lendas até sobre a sua própria existência, as fábulas passam a ser conhecidas e apreciadas por meio da literatura em diferentes sociedades.

Veja no portal Domínio público uma das adaptações disponíveis das fábulas de Esopo,[2] cujo enredo é preservado, porém a trama sofre adaptações e conformações à linguagem atual.

Além desta adaptação, muitas outras encontram-se à disposição em forma de livros de diferentes tipos, nas livrarias e, principalmente, em portais de livrarias on-line, a exemplo da Livraria Saraiva, que disponibiliza cerca de doze títulos em que figuram as fábulas de Esopo.


Fábulas de Esopo, de Ash Russel, da Companhia das Letrinhas.


São curtas e divertidas histórias de um suposto escravo grego, nas quais os animais predominam quase sempre como protagonistas, trazendo reflexões sobre comportamento e costumes.




Como indicado na própria Sinopse do Livro, o autor Esopo não tem uma biografia objetiva, pois há muitas especulações em torno de sua existência. Alguns dados, porém, parecem ser reais, como o fato de que teria sido escravo e vivido  na Grécia, por volta de 662 a. C. Seu local de nascimento, porém, permanece incerto, pois aparece em lugares diferentes nos escritos de época que lhe fazem referências.

        Os estudos de Afrânio Coutinho (1971, p. 185) nos indicam que, em 1180, ou seja, no século XII, a poetisa Marie de France traduziu o Romulus anglo-latim, sob o título de Isopet, com cento e trinta e sete  fábulas da língua anglo-saxônica, atribuídas hipoteticamente ao rei Alberto, vertida em uma coletânea latina em que um certo Romulus imperator pretendia traduzir em latim, por Tibério, seu filho, as fábulas gregas de Esopo, que não é senão uma coleção de fábulas de Fedro postas em prosa na época da extrema decadência. Ou seja, da coleção anglo-saxônica derivou a tradução latina.

Assim, no século XII, foram publicados em versos os  cinco primeiros livros de Romulus, publicados por Esopus.

        No século XIII, apareceu em verso o Isopet de Lião, e no XIV, o Isopet I, de Paris.  De outra versão latina surgiram o Isopet de Chartres e o Isopet II, de Paris.  Todos esses textos mantinham consigo o sentido moralizante, sendo tributários dos modelos latinos.

Nos séculos XV e XVI, surgem vários escritores de fábulas, como Giles Corrozet, Guillaume Haudent, Guillaume Gerérold, Pierre Boisset, tanto na França como em outros cantos da Europa, com destaque para La Fontaine.

No século XII, o Roman de Renart (Romance de Renart), também conhecido como “epopéia animal”, consistia de uma coletânea de vinte e sete partes  - composta por poemas – uma “ilíada bárbara”, cujos personagens são animais.  Diferente das fábulas de Esopo, estes animais possuem uma máscara pessoal, tanto que a golpelha se chamava Renart – nome que denominou a raposa. A ação se move entre este e ainda o rei leão Noble, o lobo Isengrin, o galo Chanteclair, o gato Tibet, o urso Brun, o burro Beaudoin, entre outras personagens que transitam pelo romance.  Nas disputas, vence sempre a astúcia da raposa contra a ferocidade ingênua do lobo. (COUTINHO, 1971, p. 185-6)

À medida que iam sendo compiladas (reescritas), perdiam o tom folclórico e ganhavam estilo literário, porém as personagens permaneciam as mesmas. Outros livros no estilo do Roman de Renart são publicados pela mesma época, enquanto na Espanha, o Libro de les Besties, de Remon Lull recorda o renart francês.

        Portugal traduz as Fábulas de Esopo no século XIV, cujo título é Livro de Esopo ou Esopete, de autor anônimo, um manuscrito encontrado por Leite de Vasconcelos na Biblioteca Palatina de Viena, publicado pelo pesquisador em 1906. Na Espanha, havia o Fabulário, de Sebastião Ney, um conjunto de fábulas reunidas.

       




[1] (publicado em O Jornal, em 5 de junho de 1957. In: COUTINHO, A. “Literatura Infantil”. In: Idem. A literatura no Brasil. Vol. VI. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1971, p. 184)
[2] ( A.José C.Coelho com Adaptação: Joseph Shafan. In: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ea000378.pdf)

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