EFEITOS
DA IMPUGNAÇÃO NA DEFESA DO CONTRIBUINTE
DEVEDOR
Rosangela
Manhas Mantolvani (UFMS – Bacharelado em Direito)
EMENTA: 1. Processo
Tributário – Conceito e diferenças. –
Princípios norteadores - 2. Da impugnação aos autos de Infração do contribuinte
devedor - 3. A impugnação administrativa
- 4. O
ônus da prova no processo tributário administrativo - 5. Dos Recursos no
processo administrativo .
1.
Processo
Tributário – Conceito e diferença
Iniciaremos esta
abordagem, definindo e conceituando o processo tributário e diferenciando o
processo administrativo tributário do processo tributário judicial.
O processo tributário
pode, grosso modo, ser conceituado como o conjunto de atos, e procedimentos que
atendem normas administrativas, quando na esfera do processo administrativo
fiscal; ou do processo judicial tributários, quando é regido por leis,
decretos, portarias, entre outras, no âmbito do direito tributário.
A possibilidade de
impugnação dos atos administrativos é um direito que tem o contribuinte e, por
meio deste, surge o processo administrativo que, conforme Machado Segundo
(2017, p. 41), estrutura-se assim:
Como qualquer outra atividade
estatal, submetem-se, naturalmente, aos princípios norteadores da conduta do
Estado de uma maneira geral, [...] como a justiça, a segurança, a isonomia, a
proporcionalidade, a razoabilidade, a proporcionalidade e a publicidade.
Dada sua natureza, não meramente procedimental
, mas também processual, visto que propicia a participação dos interessados na
formação do resultado final (que, no caso, é a solução de uma lide, um conflito
de interesses), instrumentalizando o exercício de atividade com função
jurisdicional exercida de modo atípico pelo Poder Executivo, o processo
administrativo submete-se também a princípios gerais, tais como o devido
processo legal, a ampla defesa, o contraditório, o duplo grau de jurisdição, a
instrumentalidade, e a economia processual.
Ao processo administrativo não se
aplicam os princípios inerentes à atividade administrativa típica, ou seja, a
atividade executiva exercida no âmbito dos meros proceidmentos, como é o caso
da inquisitoriedade e da subordinação hierárquica. (MACHADO SEGUNDO, 2017, p.
42-43).
Assim, o poder
executivo exerce de maneira atípica a função do julgamento. A utilidade do
processo administrativo consiste na admissão de que o mesmo pode equivaler a
uma “tutela jurisdicional”, no nível daquela do poder judiciário, ou seja, impede que as partes
envolvidas sujeitem-se a danos irreversíveis
no âmbito jurisdicional.
Não raras vezes, porém,
o Fisco lança ônus ilegais aos contribuintes, e de alguma forma impõe certo
tipo de coação para que efetue o pagamento, mesmo que este tenha imputado defesa
no âmbito do processo administrativo.
A EC nº 45, de 2004,
fez a inserção do princípio do devido processo legal e da razoável duração do
processo, de maneira que no art. 5º,
inciso LXXVIII, segundo a qual, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Como se
percebe, a duração razoável do processo, estende-se ao administrativo.
Se o gravame imposto
pelo Fisco é inconstitucional, mas estes fatos ainda estão sendo avaliados pela
administração pública, fica impedido o Ministério Público de apresentar
denúncia penal por crime de redução de
tributo ou de supressão.
A autoridade
administrativa, ao julgar um processo administrativo tributário também está
sujeita aos princípios processuais e constitucionais e não somente às regras da
Administração pública.
O poder hierárquico,
que não se apresenta no âmbito do judiciário, possui enorme influência no
âmbito administrativo, de maneira que a autuação de um fiscal pode bem ser
anulada por um agente superior hierarquicamente, ou seja, uma chefia superior a
quem foi conferido tais poderes. Estes
procedimentos de revisão de autuações ocorrem com grande intensidade no âmbito
do processo administrativo tributário.
2
Da
impugnação aos autos de Infração do contribuinte devedor.
Os
princípios do Estado de Direito e do devido processo legal são a base da
legalidade dos atos da Administração pública
que viabilizam a existência de um processo administrativo. É este que os
legaliza. Tal que não podem estas regras que dão direito de petição ao
contribuinte serem destituídas por um legislador infraconstitucional.
O
processo administrativo é normatizado pela Lei 9.784, de 1999, e pode ser
aplicada por analogia a todo e qualquer órgão de tributação do Fisco que não
tenha uma legislação específica. Pode também ser aplicado sempre que não ofenda
os dispositivos do Decreto 70.235, de 1972.
A
impugnação é uma petição que trata de demonstrar que o ato do órgão tributário
não procede, ou seja, que está sujeito a anulação ou revisão.
Sob
esta perspectiva, os atos de lançamento, de indeferimento de parcelamento de
dívida, de rescisão de parcelamento, de ato de lançamento, de indeferimento de
isenção, de exclusão ou inserção de contribuinte em programa de PERT ou de
REFIS, entre outros que são passíveis de impugnação, figurando como objetos de
questionamento perante a própria Administração Pública.
Este
ato de questionamento constitui o chamado processo administrativo propriamente
dito. Neste tipo de procedimento a participação daqueles que estão
envolvidos no processo têm participação
assegurada, estando também garantidos os princípios da ampla defesa e do
contraditório.
3. A impugnação administrativa
Quando o lançamento se
dá por homologação, como no caso da expressa apuração feita pelo sujeito
passivo, uma corrente de juristas entende que não é passível de impugnação, uma vez que o próprio
contribuinte apurou o valor do tributo devido. Um exemplo clássico deste modelo
seria o Imposto de Renda, como se apresenta no modelo atual, com declaração
feita online pelo próprio contribuinte. E neste sentido temos vários acórdãos
que dispensam o processo administrativo, e legitimam a execução fiscal, a
exemplo de processo administrativo para cobrança de dívida quando o lançamento
e o crédito quando se trata de caso típico de autolançamento, desqualificando
os efeitos da homologação formal , conforme art. 150 do Código Tributário
Nacional , não configurando violação à Lei Federal.
A Súmula 436 do STJ
consolida que o reconhecimento de débito fiscal entregue em declaração pelo
contribuinte, constitui crédito tributário, estando o órgão do Fisco dispensado
de qualquer outra providência.
Como se observa, está
determinado na Jurisprudência, o que não impede que outros entendimentos sejam
adotados.
A obrigação tributária
é decorrente de lei. É por isso que, mesmo que o tributo tenha lançamento por
homologação, não está excluído de apreciação legal por parte da administração
do órgão do fisco. Sempre é possível pleitear a restituição do indébito,
independentemente se o valor pago do tributo indevido tenha decorrido do
contribuinte ao declarar ou não.
A este pedido de
restituição de valor indevido pelo contribuinte ao fisco denominamos processo
administrativo. É o ato de pedir a restituição do valor que gera o processo.
No caso de tributo cujo
lançamento foi efetuado, mas ainda não quitado pelo contribuinte, também é
passível de impugnação, uma vez que ainda não procedeu ao recolhimento.
Para Alberto Xavier
(apud Machado Segundo, 2017, p. 110-111) o fato de a jurisprudência considerar
que uma vez homologado, o crédito é certo, inexistindo necessidade ou
possibilidade de impugnação, na verdade,
esta orientação é “violadora dos princípios fundamentais do Estado de Direito, de disposições da lei
complementar e da lei ordinária”. E, ainda, demonstra em seu livro “Do
Lançamento – Teoria do Ato, ...”, que o tal consenso se sustenta sobre um
entendimento com premissas equivocadas, incompatíveis com o Código Tributário
Nacional, especialmente o disposto no art. 142, do CTN.
Assim, a partir da
análise do livro de Alberto Xavier, que considera como profunda reflexão sobre
o assunto, Hugo de Brito Machado Segundo (2017, p. 111), afirma que deve ser assegurado o direito de
defesa ao sujeito passivo, em caso de homologação de crédito tributário, em
caso de declaração pelo próprio contribuinte.
Entre outros exemplos e
comentários sobre o processo administrativo tributário, cita o caso do Ceará,
cujo tributo tem lançamento por homologação quando declarado pelo próprio
contribuinte, o “autolançamento”. No
entanto, não é pago. Antes, é submetido a um processo administrativo sumário.
Entende-se que sendo a apuração feita pelo próprio contribuinte os pontos de
divergência tendem a ser menores.
É importante salientar
que a Fazenda Pública só pode dispensar o processo tributário quando homologa a
apuração do tributo devido, em forma de autolançamento, sem qualquer alteração
daquela apresentada pelo contribuinte. Se não apresentado nestas condições, se
houver ocorrência de vários fatos que alterem esta situação, então serão
interpretados sob a ótica das normas que se possam aplicar ao caso, quando
ocorre a homologação de valor diferente daquele declarado pelo contribuinte e
homologado pela autoridade do fisco. Neste caso, o sujeito passivo não dispensa
o exercício do direito de defesa e, como resultado, a instauração de um
processo administrativo que contenda com o órgão da administração para sua
defesa.
Conforme Machado Segundo
(2017, p. 113), se a autoridade formular exigências diferentes daquelas que
forem apuradas pelo próprio contribuinte, “tem este o direito à impugnação, sob
pena de cerceamento de direito de defesa”.
De acordo com a
jurisprudência dominante, a autoridade do fisco precisa aproveitar toda a
apuração e o sentido jurídico e contábil declarado pelo contribuinte ao fato
divergente. Se não for assim, está-se diante de divergência e, por isso, há
garantia de processo administrativo para apurar a “verdade material dos fatos”.
Um exemplo dado é sobre
a recolha do COFINS, quando o contribuinte declara apuração de certo valor
faturado, porém não recolhe por entender
que é isento. Não poderá ser feito um lançamento por “homologação”. Antes, é
preciso “mudar “ o valor da apuração e depois resolver a questão. Mas esta
mudança torna o direito de defesa do sujeito passivo algo indispensável.
O Fisco sempre
necessitará homologar as apurações e
fazê-las suas para que possa executar o sujeito passivo e obter êxito. Caso
contrário, poderá ser ela a sucumbente.
Quando o Fisco toma
posse da declaração que o contribuinte apresentou, se quiser executá-lo sem
instaurar processo administrativo, nem dar-lhe oportunidade de defesa, poderá
fazê-lo, porém, o prazo de prescrição contado a partir desta data, será de
cinco anos.
4. O ônus da prova no processo tributário
administrativo
A
fundamentação nos processos tributários é essencial, uma vez que se suportam em
atos administrativos, assim os fatos são as justificativas do fazer , seja de
um ato de lançamento que deve ser descrito e comprovado pela autoridade
competente que houve tal emissão.
Somente
assim pode ser homologado.
Se
os fatos não forem comprovados pela autoridade do órgão do Fisco, não tem o
sujeito passivo a obrigação de produzir prova para demonstrar que tais fatos
não ocorreram. Ao contrário, não é ele quem deve provar, mas sim exigir que o
ato possui ausência de comprovação e, portanto, é nulo, ou seja possui falta de
fundamentação ou não possui qualquer prova concreta dos fatos descritos,
comprobatórios do valor a ser lançado e, portanto, homologado.
Assim,
no processo administrativo, o ônus da prova é dividido entre o sujeito ativo e
o passivo, tal qual no processo judicial.
O
órgão da administração pública é que tem a incumbência de demonstrar que os
fatos afirmados de fato existem, enquanto o devedor tem que provar os fatos que
impedem tal execução, pois são impeditivos ou modificativos, maneira que
nulificam o processo, ou extinguem o futuro crédito tributário.
Assim,
a busca da verdade material dos fatos fará com que o processo administrativo se
valha da apreciação de provas, que poderão demonstrar a ocorrência dos fatos,
de tal maneira que elucide a situação . As provas serão dispensáveis quando prescindíveis
ou impossíveis de serem praticadas, ou
apresentadas.
A
Lei 9.784, de 1999, dispõe que a prova dos fatos deve ser atribuído seu ônus ao
órgão do Fisco que possua competência para a instauração do processo.
No
processo administrativo, a inversão do ônus da prova é elemento que se impõe
por preservar a situação do devedor, de maneira que o órgão fiscalizador do
tributo arcará com o ônus de levantamento de provas, inclusive promovendo
perícias com o objetivo de estabelecer o fato gerador do tributo, além de promover a ideal “confissão” da dívida pelo
contribuinte, o que facilita a ação do Fisco.
O
processo administrativo tributário promove, entre outros procedimentos, a
oitiva de testemunhas, além da prova emprestada, que pode ser usada pelo
sujeito passivo ou pelo ativo, no sentido de demonstrar que aquilo que serviu
de prova ao processo do terceiro, aplica-se ao mesmo caso.
Assim,
se as provas contra determinada empresa foram usadas em um processo de
apreensão de mercadorias pelo Fisco Federal, então, a empresa que consumia
estes produtos e que também foi apanhada, já está comprometida com as provas
que podem ser exibidas, sejam estas em seu favor ou desfavor.
5.
Dos Recursos no processo administrativo
O processo
administrativo pode ter decisões colegiadas de primeiro grau e também pode
funcionar em segundo grau, quando o mesmo pode ser enviado pela parte passiva a
dois tipos de recurso em instância diferente, em órgãos especiais de
competência para tanto.
Os
recursos podem ser voluntários ou “de ofício”.
O recurso “de ofício” é
aplicado sempre que o órgão fiscalizador prevê a possibilidade de reexaminar a
questão que lhe pareça. E quanto ao
recurso voluntário é quando se verifica a possibilidade ou exigência de
juntada de documentos ou provas, além de perícias e outros elementos que
permitam o reexame.
No que diz respeito ao
termo “voluntário”, vale frisar que todo recurso é voluntário, pois depende da
vontade dos sujeitos envolvidos no processo administrativo.
Uma vez feito o
julgamento de mérito no órgão que julgará a impugnação, poderá o sujeito
passivo, não satisfeito com o exame que foi feito no processo administrativo
tributário, bem como com seu resultado, pode então impetrar o recurso voluntário
ao órgão de “segundo grau”, ou especial de competência para tal.
Neste ínterim torna-se
fundamental verificar quais destes possuem competência para determinar a
admissibilidade do recurso. Se o recurso foi interposto no tempo adequado,
tem-se que a legislação específica que o rege determinará os demais passos do
processo e seu reexame. Por outro lado, se intempestivo, poderá o órgão
competente deixar de conhecer o recurso, subtraindo-lhe o direito de reexame.
Vale destacar que a Lei
9.784, de 1999, possui todos os passos para a formulação do processo
administrativo tributário, bem como os prazos que o sujeito passivo dispõe para
a apresentação da petição inicial, cuja exordial é conhecida pela Impugnação e
dispõe normalmente do prazo de 30 (trinta) dias, após o recebimento da
intimação de que há irregularidade no “autolançamento”, por parte do fisco ou
em outro tipo de constatação de crédito tributário. Assim que o órgão do Fisco
verifica a situação, e notifica o contribuinte do tributo, inicia-se a contagem
do prazo. Dentro deste prazo, deve o devedor apresentar a Impugnação.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Constituição Federal da
República Federativa doBrasil, de 1988.
BRASIL. Emenda Constitucional Nº 45, de
2004.
BRASIL. Decreto 70.985, de 1972.
BRASIL. Lei 9.784, de 1999.
CEARÁ, Lei 12.732, de 1997, artigo 45,
Recurso Especial.
CEARÁ, Lei 12.732, de 1997, artigo 45.
Recurso Extraordinário.
DOUTRINADORES:
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 9ª ed. rev e at. .
São Paulo: Atlas, 2017.
XAVIER, Alberto. Do Lançamento. Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo
Tributário. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.