1.3 O Código de 1939 e cautelares
O Código de Processo Civil de 1939, na
verdade, tornou-se uma verdadeira “colcha de retalhos”, uma vez que buscou
abrigar uma série de Leis que eram aplicadas na seara cível, e outras ordenanças,
enquanto surge em seu Livro V, as mesmas disposições contidas no Código Civil
do Estado de São Paulo, de maneira que classifica os processos acessórios,
deixando clara a existência de ações principais e de outros, considerados
secundários.
(DECRETO-LEI 1.608, de 18 de Setembro de 1939):
LIVRO V
Dos processos acessórios
TÍTULO I
Das medidas preventivas
Art. 675. Além dos casos em que a lei
expressamente o autoriza, o juiz poderá determinar providências para acautelar
o interesse das partes:
I – quando do estado de fato da lide
surgirem fundados receios de rixa ou violência entre os litigantes;
II – quando, antes da decisão, fôr
provável a ocorrência de atas capazes de causar lesões, de difícil e incerta
reparação, no direito de uma das partes;
III – quando, no processo, a uma das
partes fôr impossível produzir prova, por não se achar na posse de determinada
coisa.
Cumpre destacar que a
incerta reparação e a probabilidade de causar lesões ao direito de uma das
partes constituiu o êmbolo que move toda a pretensão do Juízo de acautelar tais
medidas, e, ainda quando se torna impossível a uma das partes produzir prova, o
que lesaria a possibilidade de satisfação do direito.
Art. 676. As medidas preventivas
poderão consistir:
I – no arresto de bens do devedor;
II – no sequestro de coisa móvel ou
imóvel;
III – na busca e apreensão, inclusive
de mercadorias em trânsito;
IV – na prestação de cauções;
V – na exibição de livro, coisa ou
documento (arts. 216 a 222);
VI – em vistorias, arbitramentos e
inquirições ad perpetuam memoriam;
VII – em obras de conservação em coisa
litigiosa;
VIII – na prestação de alimentos
provisionais, no caso em que o devedor seja suspenso ou destituído do pátrio
poder, e nos de destituição de tutores ou curadores, e de desquite, nulidade ou
anulação de casamento;
IX – no arrolamento e descrição de bens
do casal e dos próprios de cada cônjuge, para servir de base a ulterior
inventário, nos casos de desquite, nulidade ou anulação de casamento;
X – na entrega de objetos ou bens de
uso pessoal da mulher e dos filhos; na separação de corpos e no depósito dos
filhos, nos casos de desquite, nulidade ou anulação de casamento.
Art. 677. Salvo as hipóteses dos ns. V,
VI e VII, quando qualquer das medidas referidas no artigo anterior fôr ordenada
como preparatória, a ação será proposta no prazo de trinta (30) dias, contados
da efetivação da medida, sob pena de perder esta a eficácia e ficar o
requerente obrigado a reparar os danos resultantes da execução. (DECRETO-LEI 1.608, 18 de Setembro, 1939)
Iniciado, assim, com estas medidas
preventivas, os processos acessórios constituíam verdadeiras providências
assecuratórias. Como se vê, o artigo 675, I a III deste Decreto-Lei, pretendia
acautelar os direitos das partes, ou seja, os interesses do verdadeiro detentor
do direito na lide, que se resolvida em ação principal.
E, no Código de 1939 também se
revelam as mesmas prevenções do Código paulista de 1930, a saber: o arresto, o
sequestro, a fiança, a caução, a busca e apreensão, a exibição de livros e
documentos, o penhor, a avaliação de bens, entre outras medidas assecuratórias
e antecipatórias de direitos. Também a busca e apreensão de pessoas, em casos
específicos se encontram contemplados neste código.
1.5 Da tutela Cautelar no CPC - 1973
A tutela cautelar pode ser considerada
pela presença da Ação Cautelar ou Processo Cautelar, com previsão no Código de
Processo Civil – Lei 5.869, de 1973, influenciado pela linha teórico-científica
de Enrico Tullio Liebman, conceituado professor titular de direito processual
cível italiano, que se transferiu para o Brasil na década de 1940, iniciando um
verdadeiro movimento científico na área do Direito Processual Cível.
Prevista no Livro III deste código de
1973, que disciplina todo processo cautelar,
considerando-se que apresenta dois tipos de medidas cautelares: as típicas ,
que podem ser consideradas como nominadas, e as atípicas, que se percebe como
inominadas, conforme FRANCO (2016, p. 9). Atente-se à letra da Lei:
Art. 273. O procedimento especial e o
procedimento sumaríssimo regem-se pelas disposições que lhes são próprias,
aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do procedimento
ordinário.
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;
ou (Incluído pela Lei nº
8.952, de 13.12.1994)
II - fique caracterizado o abuso de direito
de defesa ou o manifesto propósito protelatório do
réu. (Incluído pela Lei nº
8.952, de 13.12.1994)
§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o
juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu
convencimento. (Incluído pela Lei nº
8.952, de 13.12.1994)
§ 2o Não se concederá a antecipação da
tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento
antecipado. (Incluído pela Lei nº
8.952, de 13.12.1994)
§ 3o A execução da tutela antecipada
observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art.
588. (Incluído pela Lei nº
8.952, de 13.12.1994)
§ 3o A efetivação da tutela antecipada
observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts.
588, 461, §§ 4o e 5o,
e 461-A. (Redação dada pela
Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
§ 4o A tutela antecipada poderá ser
revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão
fundamentada. (Incluído pela Lei nº
8.952, de 13.12.1994)
§ 5o Concedida ou não a antecipação da
tutela, prosseguirá o processo até final
julgamento. (Incluído pela Lei nº
8.952, de 13.12.1994)
§ 6o A tutela antecipada também poderá ser
concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se
incontroverso. (Incluído pela Lei nº
10.444, de 7.5.2002)
§ 7o Se o autor, a título de antecipação de
tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando
presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter
incidental do processo
ajuizado. (Incluído pela Lei nº
10.444, de 7.5.2002)
A tutela cautelar do Código de 1973 exigia,
para sua concessão, duas condições fundamentais: o fumus boni iuris e o periculum
in mora, de maneira que o primeiro pode ser entendido como “a fumaça do bom
direito” e o segundo percebido como “perigo de dano pela demora”.
Ou seja, o órgão jurisdicional neste
caso, ao analisar a petição inicial, sua causa de pedir e pedidos, atuava na
seara das probabilidades. Isto significa que para que se concedesse tal
instituto era preciso tão-somente que se fizesse juízo de probabilidade do
direito requerido, o qual se encontra vinculado à situação de perigo e a
difícil reparação do dano que vier a ser causado pela negação do mesmo.
A tutela cautelar, no código de 1973, se
constitui como tutela acessória da tutela principal, não sendo definitiva, pois
estavam sujeitas à revogação a qualquer tempo. Poderiam tanto ser revogadas
quanto modificadas, como se observa no artigo seguinte.
Art.
807. As medidas cautelares conservam a sua eficácia no prazo do artigo
antecedente e na pendência do processo principal; mas podem, a qualquer tempo,
ser revogadas ou modificadas.
Ou, ainda, poderiam sofrer alterações,
tanto as cautelares quanto as tutelas, na instância superior, ou seja, quando
sujeitas a recurso no segundo grau, como se observa:
Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e
distribuído incontinenti, o relator: (Redação dada pela
Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
[...]
III - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art.
558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão
recursal, comunicando ao juiz sua decisão; (Redação dada pela
Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
Em caso de ação rescisória, é necessário
observar a concessão das medidas cautelares ou de tutelas antecipadas, as
quais, pelas decisões, poderiam impedir o cumprimento de sentença, considerada
a importância da tutela ou liminar em cautelares.
Art. 489. O ajuizamento da ação rescisória não impede o
cumprimento da sentença ou acórdão rescindendo, ressalvada a concessão, caso
imprescindíveis e sob os pressupostos previstos em lei, de medidas de natureza
cautelar ou antecipatória de tutela. (Redação dada pela
Lei nº 11.280, de 2006)
Orientado e suportado pelo pensamento
científico da escola italiana, O Código de Processo Civil de 1973, vislumbra os
pressupostos teóricos de Piero Calamandrei, Giuseppe Chiovenda e,
principalmente, Francesco Carnelutti, apresentando em suas linhas o “processo
cautelar como um terceiro gênero de processo contencioso” (RUIZ, 2016, p. 379),
a par do processo de conhecimento e do
processo de execução.
Esta vertente de pensamento privilegia a
doutrina da autonomia do processo cautelar, valorizando a garantia do objeto
processual, “da existência da prevenção como um dos objetivos [sic.] da
jurisdição, tendo por objeto a obtenção da segurança quanto à realização da
pretensão que constitui objeto da ação principal”(Id. ibid.). O processo cautelar ou ação cautelar
vislumbra a segurança do resultado da lide, de forma a garantir o direito do
que pleiteia o objeto do processo, de maneira tal que haja segurança do
resultado, que não se perca o direito, para que se concretize, na sentença, no
resultado final.
Neste diploma legal vem previstas várias
hipóteses específicas para aplicação, especificamente no Direito de Família, a
exemplo do que se refere a bens do casal, em caso de dilapidação de patrimônio;
arrolamento cautelar de bens; posse de bens em nome de nascituro; alimentos
provisionais; busca e apreensão de menores; entrega de bens de uso pessoal ao
cônjuge e aos filhos; no caso de separação, guarda provisória de filhos ou
menores; afastamento de cônjuge da morada do casal; regulação do direito de
visita, de guarda e educação dos filhos, vinculados ao CPC – 1973, e, embora
muitas destas medidas não tenham previsão legal como “cautelares”, foram
tratadas desta forma, especialmente os alimentos provisionais e a busca e
apreensão de menores.
Com muita frequência a tutela cautelar
era utilizada, uma vez que ainda não havia a extensão da tutela antecipada. Era
comum o uso do termo “cautelar satisfativa”. Usada indiscriminadamente pelos
operadores do direito, especialmente os advogados, o legislador viu-se na
obrigação de atender a esta demanda, inserindo por meio da lei 8.952, de 1994,
a tutela antecipada e a específica.
A separação de corpos, no Direito de Família
também foi tratada, por muito tempo, como medida
cautelar, com previsão no artigo 796, do CPC – 1973.
Ainda segundo o mesmo autor, “no
processo cautelar objetiva-se a segurança, visando garantir o resultado útil
das demais funções (cognoscitiva ou executória)” (RUIZ, 2016, p. 380). O
processo cautelar está a serviço do próprio processo. De acordo com Ovídio
Araújo Batista Silva, apud RUIZ, (Id. Ibid.) “a ação cautelar é acolhida ou rejeitada
pelos seus próprios fundamentos, e não em razão do mérito da ação principal.
Sua finalidade é a obtenção de segurança que torne útil a prestação
jurisdicional. Visa ar resposta a uma situação de perigo.”
A medida cautelar diferencia-se em
certos pontos da tutela antecipada, a qual veremos como se revela no CPC – 1973
1.5 Tutela antecipada no CPC – 1973
A morosidade da justiça brasileira
na entrega das decisões, ou da prestação jurisdicional, mesmo com o suporte
normativo dado pela tutela cautelar, parecia deixar a desejar aos que
pleiteavam seus direitos na justiça. Pareciam insuficientes os institutos de
garantia dos direitos. Em função destas necessidades, surge, por meio da Lei
8.952, de 13 de dezembro de 1994 o instituto da tutela antecipada e, ainda, da
tutela específica, como formas de garantia de direitos que podem se perder ao
longo do tempo, no decorrer do processo.
A inclusão dos meios de segurança,
efetuados por meio desta Lei, proporcionou um grande avanço na seara da justiça
brasileira, embora sua aplicação ainda hoje seja motivo de dúvidas e
questionamentos. Estes moldes deitaram as bases das atuais tutelas presentes no
CPC – 2015.
Dentre
as importantes mudanças sofridas pelo Código ao longo do tempo, na seara das
providências antecipatórias à lide, temos a Lei 8.952/94, que disciplina a
tutela antecipada e a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. E,
posteriormente, a Lei 10.444/02, o Código de Processo Civil de 2002, que apresentou
alterações concernentes à tutela antecipada, ao procedimento sumário e à
execução forçada. Vejamos como se apresentou o texto da Tutela específica, na
Lei 8.952, de 13.12.1994:
Art. 461. Na ação que
tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido,
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
§ 1o A obrigação somente se converterá em
perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a
obtenção do resultado prático correspondente.
§ 3o Sendo relevante o fundamento da
demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é
lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia,
citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer
tempo, em decisão fundamentada.
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo
anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido
do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo
razoável para o cumprimento do preceito.
Cumpre ressaltar que o parágrafo 4º
decreta que, juntamente com a decisão que tutela antecipadamente o direito, ou
a liminar, pode o juiz decretar multa diária, ou seja, astreintes, por não
cumprimento da decisão antecipada, ou seja, de tutela específica determinada.
§ 5o Para
a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas
necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,
desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de
força policial. (Incluído pela Lei nº
8.952/94)
É imprescindível verificar que este parágrafo 5º, reformulado pela Lei
10.444, de 2002, na verdade se
§ 5o Para a efetivação da tutela específica
ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a
requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa
por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,
desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com
requisição de força policial.
§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o
valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou
excessiva. (Incluído pela Lei nº 10.444/2002)
Art. 461-A. Na ação
que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela
específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. (Incluído pela Lei nº 10.444/2002)
Como se observou, a tutela cautelar
sempre esteve presente no ordenamento brasileiro, tendo se constituído em uma novidade
exclusiva do CPC de 1973. Esta afirmação pode ser comprovada, ao longo deste
trabalho, pelos comentários apresentados sobre as Ordenações Filipinas, sua
letra de Lei, bem assim como os dispostos no Regulamento número 737, as normas
presentes nos Códigos Estaduais, como o do Estado de São Paulo, de 1930 e,
ainda, no CPC de 1939, entre outros códigos de Leis que tratam tanto da
aplicação de instrumentos cautelares quanto de outros que se assemelhem, a
exemplo das tutelas, objeto principal de discussão deste Trabalho de Conclusão
de Curso.
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